24.11.07


dear,


queria escrever cartas criptografadas, para que não me entendesse nunca. preciso tanto de um corpo de texto tão meu e só. mas a linguagem insiste em fazer entrada na carne, fazer tatuagem funda, verbo coletivo de loucura. eu tenho um amor, não disse? quase nunca chora, raramente se deixa levar. me aborre um pouco a falta assim de um à flor da pele. tempos depois, em silêncio, penso em raios de sol entrando pela janela. queimam o pensamento, fazem marcas, deixam rastros e restos. em algum lugar do teu corpo há uma alma que sofre as dores da pele, eu digo. depois fico calado por longos minutos. os olhos meditam de um lado do quarto a outro. então ouço o oceano marulhar nas calçadas do prédio, lavando o mármore das escadas, os capachos, o fosso do elevador. uma água cheia de espírito, água viva, de gozo líquido. acho que às vezes iemanjá me chama tão doce que tenho medo. se fosse severa e ríspida, eu iria só por arrogância. em seguida, um clic, um baque no fundo do oceano, um silêncio maior ainda, com vozes abafadas e sussurro de algas. nunca deixo que puxe meus pés, pois eu tenho amor. e em algum lugar do mundo os leões choram saudades, choram abelhas, bocas de ouro e azaléias. os leões choram a cura para a ausência. queria tanto perpetuar o que desapareceu, mas as memórias não são mais as mesmas e,mais tarde, creio eu, que tudo não passa de ficção. seria possível recordar a reinvenção da alma? tenho tantos delírios comos esses. acho que é porque por vezes nem sei viver. tenho tamanho medo de sair de casa, perder a bagagem, os filhos, os trilhos da estrada perdida. medo igual ao da partida, dos olhos desaguados, da despedida sem coragem e desencorajada. é porque eu sinto que não posso mais ser eu mesmo, responde, partindo o fluxo das palavras e das coisas. eu não me canso de pedir que me dê enigmas, um bilhete a encoberto, um telefonema surdo, sem voz ou nome. eu quero uma esfinge que me devore os lábios, o rosto, o gosto da língua e o ouvido. jura que não acontece mais? preciso tanto fazer do meu corpo a sua linguagem preferida, fazer do meu texto o seu código distinto. me faz doce, sem recusa, demora e espera intensa. [não estou feliz, queria tanto que ficasse comigo esta noite]

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