10.12.07

daddy


se algum deus pudesse inventar esconderijos para o tempo - o esconde-esconde, o jogo da amarelinha, o corre cotia - ou qualquer outro passatempo que ocupasse o próprio tempo, então, talvez, envelhecer ninguém jamais. [abro espaço como quem vai no abre-alas para dizer de ouvido que a velhice é quase o outro nome pelo qual a morte atende]. sábado pela manhã, meu avô envelheceu até onde pôde. veio logo a voz triste do meu pai, esmagando meu peito contra o seu, como quem diz:

"filho, meu pai se foi. bom filho que sou, fiquei. é natural que as coisas se dêem assim, é a lei. filho, quando morre nosso próprio pai pensamos que logo chega nossa vez. como bom neto que você é, fique na fila, filho, como eu. os descendentes são a pequena história, o romance familiar, a fábula do um tempo-filho sucedendo um tempo-pai, uma herança. mas preste atenção, ainda não casou? trate rápido de casar e dar-me netos. preciso ser o filho-pai-avô, preencher meu lugar na velhice, ocupar a poltrona do meu velho. sem uma prole, meu filho, você fará um rasgo no tempo, envenenará as raízes da árvore genealógica, interromperá o vir a ser. arqueologia alguma terá habilidade para recompor nosso brasão de família, o estandarte feito de carne e osso e poesia de sangue. seremos, então, um fóssil sem nome, dissolvendo-se lentamente aos fundos do museu de história natural. morrer é deixar que esqueçam a espessura patriótica de nosso sobrenome, que não recordem mais nosso rosto, que deslembrem os restos da linhagem que cada um dos homens de nossa casa carregou nas costas e no gozo do corpo".

replico:

"pai, eu tenho medo de envelhecer. não quero filhos. não quero netos. não quero um cachorro velho aos meus pés. pai, eu só tenho medo é de morrer, o que parece paradoxal, pois quem envelhece, morre. cuido para que não se esqueçam de nós, cuido para que não se esqueçam de mim. escrevo. é um jeito de enganar o tempo se alguém ainda tiver tempo de ler as pequenas cartas do meu viver. pai, hoje não tenho totem, rosto ou imagem. estou só e tão longe do mundo que nem sei. perdoe-me. mil perdões por tudo".

2 comentários:

honey disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
honey disse...

dear:
ainda que fôssemos exatamente o reflexo do desejo deles, não seríamos os filhos ideais. beijo.

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