27.1.10

o enigma do tigre


dear,

quando estou no tempo do tigre, entro na tempestade sem luz. não reivindico as colheitas de cereal, não peço que a destruição desabe sobre as terras lavradas. embora não haja fúria, em estado de tigre eu sou soterrado pelas pedras da montanha e queimado pelo mormaço da selva fechada. a fúria vem por outros caminhos: a febre, eu respondo, a febre que me consome. o que digo é o que acabou de ouvir: nenhuma mentira vem da verdade. a doença está pelas cercanias, os desejos estão retornando ao corpo do homem, ao corpo da fera. é a verdade. só assim eu permaneço no verbo e o verbo permanece em mim. com a verdade. é o verbo que me dá alimento e me transforma, de tempos em tempos, do homem ao tigre. de verdade. é quase invisível a animalidade, quase sem presença. eu a vocalizo, eu dou substância de nome à sua existência, uma substância de homem. deus é a prova de que é possível amar o que não se vê. porém: cuidado: o estado de tigre é irreversível, não há como detê-lo: é um jato, um jorro. as garras surgem primeiro, depois o corpo inteiro, a garras e o corpo inteiro surgem de fontes de águas vivas, da multidão violenta das águas. quando queimo por dentro, sei que da garganta da criança escapa um tigre, escapa uma espada de canto lírico. da garganta do garoto que sou, queima a febre dos amantes. então: rasga-me a carne, devora-me, tigre. desfaz a ingenuidade do menino em pedaços sangrentos, desfaz as fantasias infantis dos monumentos de amor.

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