17.8.10

o narrador


honey:

tem razão, eu não preciso mentir. é bem verdade o que suspeitam de mim, mas quero que me compreenda: o que eu escrevo, sim, já estava escrito antes. antes de nós, antes de tudo existir, já estava. o ato que nos nomeou aconteceu há muito tempo. e fomos formados: do barro, do pó, da saliva-ânsia, da palavra morna, da perpetuidade do amor. o narrador-destino já havia nos escrito e imposto as linhas discursivas desta história. então, por isso, meu amor, as falas parecem se repetir. nem adão pôde ser original no que disse, não havia escolha: tudo já havia antes do sim de deus. onisciente, onisciente narrador. e como nos conhece, porque foi quem nos criou, vez em quando traduz nosso pensamento interior, dá forma de poema, de cantilena, de carícia verbal ao que passou por dentro. deus imprime meu corpo contra o corpo do texto; o corpo do texto imprime meu corpo impresso contra o teu corpo. e marcados com as palavras-corpo um do outro, nos satisfazemos na repetição de amor que deus nos deu. e é porque te amo que aceito a ditadura do destino. (dizendo assim parece não haver escolha, mas existira outra que não fosse te amar?)

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