2.5.16

como uma criança

honey,

como uma criança, eu acordo. as cobertas estão fora do lugar, arrastando as pontas pelo chão, o sono está a me puxar pelos olhos de volta para o colchão. como uma criança, percebo que já estou sozinho na cama, na casa. sensação aparentada do terror infantil do abandonado, daquele deixado de lado para que os pais possam trabalhar. talvez ainda mais ressonante: o medo de ser deixado no supermercado. e eu já enfrentei, tenho a experiência disso: uma vez, passeando serelepe por qualquer prateleira de balas e doces, me desgarrei de minha mãe, entrei em desespero com a perda de suas saias, corri por corredores, em pânico, de tê-la perdido sem volta; depois a encontrei, serena, escolhendo alguma marca de macarrão, como se nada. o medo foi sendo substituído pela raiva de não ter sido notado, de quase ter sido garoto perdido anunciado no microfone e à espera na frente do caixa. a experiência do trauma me faz trazer as cobertas até as orelhas, afundar no calor do útero de um quarto. mas não assim, amor, não tanto assim: como uma criança, eu sei que já fui deixado, mas é algo que tem volta, vivido sem preocupação, um fato muito bem desenhado. com essa certeza, eu corro para levantar mãos, pés e costas das cobertas, calço os chinelos, me enrolo no edredom para ir à caça dos bilhetes, sem rosto lavado, cara de dormido, marca de travesseiro babado. e encontro os pequenos tesouros como em manhã de páscoa, seguindo patas de coelho feitas de farinha branca. e como uma criança satisfeita com os doces, eu devoro os bilhetes deixados pela casa, os pequenos pedidos de socorro para que a semana acabe logo e a gente se encontre de novo.

como uma criança que ama as coisas do tamanho do céu, eu torno a manhã de segunda plena de sorrisos, daqui até o sol.

.: marcio markendorf

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