10.10.05

correspondências para casa. sem extravios.


my mother,

realmente não importa quanto tempo faça desde que aconteceu. briga comigo pelas coisas que não digo, me acha cheio de segredos, estranhos pensamentos. me acha tão sozinho, embora não diga nada ou, quando muito, diga as coisas erradas. mas não é culpa sua, não é culpa minha. por favor, entenda e saiba o quanto eu gostaria de realmente ser sincero, de não ter nenhum truque ou disfarce, como gostaria de te contar toda a verdade, toda mesmo. mas não posso, e sei que não posso.
na primeira vez que aconteceu, nem me perguntou por que, mas me fez jurar sempre o contrário, por medo, medo de te perder. minhas mentiras foram por amor, por respeito. mesmo que esse silêncio todo me mate por dentro, faça me calar e andar tão sozinho. e não posso dizer todas as coisas que sinto, porque ficam dentro das coisas que não posso dizer. e já nem sabe onde eu fui ou com quem estive. nem sabe quem eu amei doidamente nos últimos seis meses. pra você minha vida é uma sombra, um enigma que eu nunca decifro. e que você não deixa eu revelar. se eu o fizesse, quanto medo do que pode acontecer. você disse que preferia coisas horríveis ao invés disso, um silêncio noturno, repouso de sombra. e eu tenho medo de desfazer o quebra-cabeças, porque não quero te perder. porque eu te amo. profundamente.
mas eu amo também suficientemente a mim mesmo pra continuar resistindo e insistindo na vida. lembra dos textos tristes que eu escrevia quando criança? Eram de tristeza sim, catarse, exorcismo, espiritismo do coração. eu precisava. e vez ou outra continuo falando direto do coração, na verdade, quase sempre, apenas com um pouco mais de técnica, embora com o mesmo assombro de me ver sempre me apagando, me escondendo, me torturando.
e se por um lado faço tudo errado aos teus olhos, por outro tento ser tão correto, tão ao teu gosto. tento reparar esse nosso desafeto com tantos prêmios e sucessos. eu estou trilhando uma carreira muito mais por você do que por mim. preciso muito que se orgulhe por alguma coisa que eu faço. já que não pode se orgulhar por outra, dessa que não digo e você já imagina. não é erro não. não foi porque eu quis. eu tentei voltar sim, tentei entrar dentro da norma. mas não consegui. foi impossível. eu não escolhi caminhos: o que era pra ser, estava feito antes mesmo de que eu soubesse. terrivelmente eu entendi que o amor não se escolhe: ele acontece. perdidamente acontece. e eu não posso alterar essas rotas, sem o perigo de me perder pra sempre.
e se eu ando tão sozinho e chorando tanto é porque me sinto tão culpado por você não poder me amar por inteiro. apenas de um modo metonímia, de apenas uma parte que determino. deixar eu ser amado por quem eu quero significa te machucar e te magoar, muito mais do que eu devo. então eu ligo chorando pra casa, dizendo que sinto tanto tua falta, mas querendo dizer do que eu preciso. e não posso. não posso dizer o quanto eu quero e preciso ser amado por quem eu quero.
então meu corpo vai fazendo uma lacuna, o coração vai ficando em chamas. e ao mesmo tempo um frio vai se fazendo por dentro, uma solidão tão longe e longa que não me deixa. eu queria te dizer tanto, desenhar meu dentro no teu sopro, colorir os contornos e os brancos, me tirar desse preto e branco, preencher o vazio.
eu queria tanto que me amasse pra sempre. mas se fazer meu auto-relevo significa te perder, vou pra sempre me fazendo baixo, me obrigando a um pique-esconde, me levando a um sacrifício que não sei onde termina.
me perdoe por tudo que eu fizer. só preciso de um pouco de paz e compreensão. pra que eu possa ter amor.eu te amo mais que tudo.

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