17.2.06

memória biográficas.


muitas possibilidades inviáveis. acho que por conta disso não tenho escrito, honey. as cartas tornaram-se inviáveis: e também irrespondíveis. por que motivo se dá isso, não sei dizer, já que a linguagem é tão a mesma quanto se fora antes. ou antes disso, pergunto, mas tenho medo de responder: não é o mundo que muda, são as coisas ao seu redor. mudei, mudamos. alguém esteve na frente desse desvio, alguém inviabilizou nossos corpos. então, desde então, não te escrevo mais porque não tenho vontades, apenas desejos (a vontade é o que levamos a cabo, o desejo é o que permanece movendo, sem cabo algum, sem ter onde tocar). e pra que escrever e dizer das mágoas, se essa palavra parece guardar idéias de águas pesadas, paradas, salobras. por que escrever pra contar que me visita, talvez com mais freqüência do que outroras datas, essa gente morta que não fala, mas eu sinto ao pé do ouvido. não me confortam, mas também não me incomodam: vez ou outra acordo sobressaltado, um farfalhar de cortinas, pisadas no assoalho, alguém do meu lado. essas gentes, honey, chamam de fantasmas, eu chamo de saudades, porque é a tua presença fantasmática pela minha casa que me assusta o coração. o que me tira o sono é esse quedar pensando em você e no tão-pouco do nosso tempo juntos: depois teu retorno, o meu ficar. nos pegamos no desvio, nos desistimos pelo mesmo: foi falta de coragem pra vir, impaciência pra esperar? ah, como o amor nos enche de desejos e de tão poucas vontades. ai, ai, como te escrever o mesmo se mudei por artifício, para te esquecer, pra me esquecer, pra voltarmos só quando ambas as vidas estivessem em trânsito de mão única. não por esses transbordos, não por essas brechas mínimas, esses intervalos de um livro que nunca lemos e que alguém conta conta e conta do começo ao fim, mesmo sabendo que estamos ainda pelo meio (da nossa própria história).

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