24.7.06

war is the life.


my dearest,

nunca pensei em te escrever antes. sinto muito se o faço apenas agora. há coisas que não posso falar com dear ou honey, você sabe. então tive vontade de mandar uma escolta para acompanhar esta carta. é sentimental demais. não sou eu. por isso escrevo às escondidas. saiba que uma parte de mim eu nem mesmo sei. escrevo às avessas: do outro lado não ouço nem uma palavra. somente o silêncio. o silêncio do meu silêncio. não me ouço e escrevo do flanco que não dorme. alguma vez percebeu o quanto o coração é uma milícia? o meu tem uma disciplina quase espartana, embora de origem ateniense. e não durmo. e não acordo. seguir a carreira das armas dói muito. me encho de fúrias, sangue, defesa. alinho bandeiras militares sem dar bandeira alguma. não quero saber o que acontece agora em israel, ou se mais um soldado morreu na indonésia ou se um suspeito foi fuzilado em cuba. a pior das guerras é aquela que acontece dentro da própria fronteira. guerra civil. e tudo sai nos jornais. journal intime. journal in time. acho que não há nada que se possa fazer agora. terminei um livro sobre fotografias de guerra. me senti no front, atrás das fotos. também me senti ferido e arruinado. nada pode ser feito. o outro lado acorda e não devo dizer nada. entre o meu corpo e o de fora, um território. no man's land. ninguém o disputa declaradamente, e nenhuma das partes não o ocupa por medo ou incerteza. daqui vejo trincheiras, feridos, mortos. uma cortina de ferro que eu fecho. não, não quero mais saber (em algum lugar do mundo o conflito é apenas simulação). não acredito que te escrevo. tanques, tendas. o exército avança. o correio já se foi. enquanto vejo o avião partindo, escolho selos sem cor. incolor. da cor de um coração partido.

kosovo, ouvindo jazz.

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