24.11.06

correspondência 11 ago 1973


honey,

acontece, eu juro que acontece. máscaras de oxigênio caem do teto. a pressão diminui. e tudo fica diferente. é como se faltasse o ar. nem consigo respirar. e uma coisa dolorida vai crescendo por dentro, como se eu sentisse os pêlos e os ossos crescendo. e dói muito. e a vida passa num flash, em outro, em outro, numa cadeia desconexa de eventos, memórias, ilusões. um pequeno filme fragmentado. cresce uma vontade bandida de fazer tudo diferente, de levantar todos os dias com coragem para mudar. os ossos estalam, gritam, eu grito por dentro. e choro como uma criança que perde tudo no seu pequeno mundo. e esse tudo pode ser um desenho de primário, um lápis de cor, uma maçã do amor na festa junina. e tudo vai desacelerando. as paredes se contorcem, as coisas ficam menores, tudo parece pequeno e perdido. tudo parece longe, como se fosse o lado de fora da estrada passando rápido para alguém que olha de dentro de um carro em alta velocidade. e me vejo aqui de novo. sozinho. o tempo pára. máscaras de gás carbônico caem do teto. e fico pensando nas coisas do passado que eu poderia ter mudado. uma gaveta que eu nunca abro, um domingo que eu não saio, um relâmpago para um pára-raios, um beijo que não descubro. que sou eu nesse futuro depois que fiz tudo isso? que seria eu neste futuro se eu não tivesse feito? (o grande advogado das pequenas causas. muita psicoterapia. muito whisky. 'me fale melhor de sua infância. como foi isso mesmo?'. pessoas chorando no consultório. meu. como deus, eu querendo fazer tudo funcionar. 'it's broken', eu penso. a patinha do cachorrinho. 'ele vai ficar bem, não chore, criança'.) fico com medo de perder as coisas. faço telefonemas no meio da madrugada para quem eu amo. porque sinto uma tristeza déjà vu. não quero perdê-los, embora eu sempre sinta que estou perdendo alguma coisa. um novo estalo nas pernas. e se eu tivesse sido mais ousado, dito a verdade, inventado mentira, feito tão... diferente. eu teria reinventado o amor, o rancor, a dor, a raiva toda que eu senti. fico sentindo as coisas e guardando todas numa caixa. vez ou outra ela transborda e fica me apontando o mofo das coisas que eu escondi. coisas rançosas e verdes. então faço poemas. me livro como mágica do passado. reinvento, distorço, refaço. e anos se passam. os leio. nem os reconheço. e é como se fosse outra história, outra memória, do qual já me esqueço. só não consigo esquecer de você. e de tudo que perdi quando se foi. se eu tivesse partido antes de ter me encontrado. vai ver tudo teria sido diferente. e eu, honey, teria sido mais feliz. outro déjà vu, flash, frame, flashback. tudo está de volta. e eu estou sozinho. me atende, por favor. quero te dizer ainda e de novo: eu te amo.

2 comentários:

Anônimo disse...

gostei. adorei. amei

Anônimo disse...

eu te atendo pra escutar o q vc quiser dizer...
rsrsrsrsrrs
kisses, jon jon...

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