22.11.06

correspondências.


my dear,

damas da noite envenenam o ar. dou a volta na esquina como quem dá a volta ao mundo. sem balão. e alguma coisa gruda no meu pé. parece um pedrisco. me incomodo. arrasto a sola do tênis na lajota da calçada. era uma bala grudenta. é uma bala. vai ver adocicava a boca de um homem ou de uma mulher. talvez de uma criança. e depois foi cuspida na rua como se não fosse nada. por que cuspir as coisas doces assim? quem sabe foi perdida por acidente, num bocejo. assim também deve ser com a vida. pessoas cospem ou perdem as coisas doces do mundo. por ignorância da felicidade ou por medo ou por falta de tato. a felicidade pode ser essa coisa ignorante e doce que você encontra e pisa nas esquinas redondas, curvas, esquinas com casas cercadas de hera, jardins crepitando damas da noite nas trevas. se eu ainda andasse olhando para baixo, eu teria visto essa doçura cuspida. mas dei a andar com dignidade, olhando para frente. isso é o futuro. o lá longe. o desconhecido. e o futuro sempre me é essa coisa míope, de contornos embaçados. só o pego de perto, mas daí não é mais futuro é outra coisa: o presente dos dias. então não se pega o futuro, apenas se adivinha. lá no longe coisas doces flutuam no céu, indefinidas. não no chão, como balas grudentas, pisadas. o que vai pelos pés são esqueletos, algo esquecido, o passado. ando agora com dignidade porque o passado não me segue, a não ser como fantasma. acaso se vê. ou então somente vai de passo comprido, escuro, um aprendizado de sombras. o passado é uma professora primária com roupas coloridas e cheiro de lavanda, ensinando a cartilha. isto é isto. aquilo é aquilo. e ainda assim uma professora morta. ando com dignidade porque não quero saber do para trás. me interessa o daqui para ali. um passo de agora que caminha. por isso, o presente, meu bem, é o intervalo míope entre o fantasma do que escrevo e o que está por chegar a você. caixa de correios, doces do nosso mundo, cartas. o amor é um doce. mas percebeu uma coisa? escrevi por causa das flores e mudei de assunto. acho que é porque as flores são o indizível. são o que me alcançam sem eu conseguir chegar perto. assim s coisas são: um beija-flor sem beijos. ah, como eu gostaria de saber viver ao invés de escrever tudo o mais. como eu gostaria de... damas da noite envenenam o ar nesta noite.

Um comentário:

Anônimo disse...

"...o futuro sempre me é essa coisa míope, de contornos embaçados."

Hoje eu falei mais ou menos assim para a minha colega de trabalho: "Todo mundo tem medo do desconhecido, do futuro, aliás deixa o futuro pra quando ele chegar, até lá, a gente põe uma venda nos olhos, tampa..."

Entro aqui e leio isso.
Como eu te amo, sabia...
Bjs.

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