21.5.07

carta do salgueiro.


honey,

tenho medo da eternidade. medo que seja apenas um tempo de duração metafórico, sem cinzas ou relógios. por isso me debruço sobre a água como um salgueiro chorão. choroso de mágoas e de mortalidades. não vê estes galhos dobrados feito um rosto em lágrimas? talvez meu gosto seja acre e se esgote numa gota de água. quem sabe meus galhos sejam sufocantes e exigentes demais. sofro da nostalgia vindoura, flashback ao contrário. por vezes me ponho sério, com o cenho franzido e o tronco curvado demais. até a seiva me parece correr mais devagar por dentro. tenho medo, tanto medo. por que não vivo inteiro o presente e esqueço do futuro? a manhã de amanhã é feita só de promessas e incertezas. hoje é o dia que tudo sei. e basta. deveria bastar se não fosse uma consciência bastarda me roendo os dedos e a calma. senta aqui comigo, se balance nos meus galhos, se abrace nas minhas malhas de tigre. não mordo. apenas devoro tuas tábuas e teus tabus. e assim teus sonhos me dão frutos e folhas esbeltas. de que mais preciso? oh, salgueiro chorão, que saudade salgada. não me estrague assim desse jeito, colocando de antemão no pensamento o que nem sei. penso sem parar em partidas quando nem bem houve chegada. tenho medo que tuas pernas te levem pela estrada em distâncias indizíveis de cascalhos e poeira levantada. que saudade que me dá quando tuas costas me dizem que é hora de voltar pra casa, longe de mim. eu não volto porque nunca fui. minhas raízes me prendem a este lugar, enroscadas num coração difícil. se eu pudesse, te faria árvore, te faria um presente sem duração. sem medo e sem volta: pra sempre árvore-tu, árvore-eu, dois salgueiros chorados e contentes. salgando lado a lado a água de sonho que deus me deu.

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