11.8.07

(de)cifra-me.


honey,

i.
escrevo uma carta como quem comunica o desaparecimento de um casaco. é quase como algo que inflama. algo como crianças com bruxismo, haras sem nome e análise psicanalítica de um quadro de klimt, 'o beijo'.

ii.
escrevo como quem percebe os breves clarões de uma escolha: o bem e o mal. o bem ou o mal. entre uma faísca e outra, de onde estou eu posso ouvir o som da locomotiva-suicida: os vagões se lançando furiosos no precipício. um fundo do poço para verbos em delírio, loucura de exigências, um rosto que não é meu. peço ao mundo que o pensamento não seja demente, mas soberano. quase como se os poderes de deus se espalhassem pelo ar. trilhões de fragmentos luminosos em suspensão quando de sua morte instantânea, carbonizada. o acidente automobilístico de deus.

iii

sinto muito: contaminado por incorrespondências entre o branco e o negro. um buraco negro me lambeu e me deixou prateado, um rastro de lesma. o que difere o pensamento do instinto? a lógica do instinto é uma forma de pensamento. por isso o cachorro do outro lado me pensa, me filosofa, me reduz a uma solução dialética. os olhos de um cão pensante.

iv.

não esqueça que para toda proibição há um mercado negro. até mesmo um mercado negro para os segredos. deixando de ser secretos, perdem todo o mistério e a fascinação que inspiram. morrem de brancura e luminosidade. o negrume dos mercados destrói os segredos. sem clandestinos ou barcos omissos as coisas na vida perdem a graça. a vida ela mesma não tem graça sem o mistério da morte, sem o prazer de uma passagem ao desconhecido. os suicidas são uma exceção: desiludidos com o mistério, obrigam à força uma solução final. querem resolver a incerteza a todo custo. então investem no mercado negro, no betume da morte.

v.

os cães do outro lado também ouvem a locomotiva-suicida. outro mistério: por que, meu deus me deu (a luz)? pergunta irresoluta, irrespondível, sem explicação. nada sei do infinito. nada. lá vai uma insurreição contra o indecifrável. depois a surdez, o silêncio, as bocas amarradas dos homens. para tudo há um preço, um autêntico instinto de preservação, um deus de pés molhados.

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