love me, tenderness

dear.

eu te ofereço meu corpo bem formado, os ossos crepitando e a carne trêmula. mas não aceite. não é legítimo. não é genuíno. o desejo não existe. o corpo se mexe, evoca o gozo perfumado, sua e cai exausto, mas é apenas uma locomotiva fazendo o percurso previsto. eu te ofereço minha pele, minha biografia torturada e uma promessa de futuro. mas não aceite. é apenas a casca, a cápsula vazia, a representação de excessos desnecessários, a triste valentia sem valor. eu te ofereço meus beijos molhados e minhas horas inteiras de ternura e consideração. sinto muito, mas não aceite. são apenas um fracasso irreversível, um playground de desejos e jogos de paixão. eu te ofereço meus textos, meu sexo, meus horários de trabalho, minha rotina. mas não se engane nem desta vez. não aceite. o que escrevo é apenas retórico, o que faço é apenas erótico, o que instituo como ordem é apenas o convencional. eu te ofereço meus conselhos e minhas experiências de vida. não os ouça. não os aceite. são como apostas num passado remendado ou como a construção retardada de um tempo futuro (inacabado para nunca). eu te ofereço minha casa, minha conta bancária, meu abrigo confortável. mas não. não aceite. é apenas o pagamento por teu enorme apreço, teus afetos retribuídos, por tua realização dos meus caprichos mais escusos. eu te ofereço meu amor declarado a todos os teus amigos, a todos os grandes desconhecidos. só não aceite. não é sincero. é apenas o álibi perfeito para qualquer catástrofe que aconteça às pressas. eu te ofereço o coração em chamas e o romantismo de um rosto em prantos. dê meia volta. não aceite. é puro crime premeditado, facção do fogo e cena de teatro. não aceite nada de mim. não me aceite de modo algum. o que posso te oferecer é apenas a minha solidão e o mundo inventado do que nos foi. contudo, dear, aceite tudo o que eu te ofereço. e nunca duvide de mim. mesmo que cruel ou sem sabor.