18.4.08

a incorrespondência


dear,


não creio que saiba o que seja o sofrimento e a descida ao inferno. sei do que falo. eu estive lá. fui passageiro de uma catástrofe e do retorno que a sucedeu. por isso uma série de deslizamentos de terra, os escombros que vieram antes, as ruínas de uma vida inteira, passam por mim de mãos dadas. eu me deito e vejo o céu tão longe, prevendo que as constelação são feitas de vapores luminosos e de estrelas decadentes de encanto. talvez porque alguém esteve aqui e sequestrou o melhor de mim. não tenho paz nem os planos da guerra. por isso, pelas avenidas da mente um exército de fantasmas marcha e me mostra o fim da história. esta é a decadência da ilusão, dear, um coração sem pulso e com cordas no pescoço. moram comigo 3 infidelidades, 2 incorrespondências, 400 mentiras e o infinito inteiro de equívocos, todos fazendo uso exclusivo do meu corpo. não tenho passaportes nem trens fumacentos atravessando túneis, apenas a urgência de fechar as malas e partir. como partiram e me deram as costas as pessoas que amei. às vezes para um desterro distante, às vezes para a terra do nunca. never more ou neverland, onde o amor nunca cresce no terreno, não tem cura e, sozinho no escuro, não pronuncia um único gemido. não creio que saiba o que se passa por dentro. a linguagem estanca e tem um pouco de sangue. a palavra sangra e paralisa os membros. então eu coleciono as cartas inúteis que nunca enviei. coleciono os rastros, as sobras e as sombras dos lugares onde esteve. quer saber? isto é quase como dizer que eu te amo. quase porque não existe sinônimo perfeito. a única equivalência possível seria a dos meus olhos espelhando os seus. e esperando. se você soubesse que vivo o silêncio de um coração no pause... dispenso os carteiros, destruo a caixa de correios, exigo um telegrama sem volta, uma carta sem endereço. logo depois, completamente humilhado e derrotado, começo a lamber os selos das cartas que eu enviaria. nelas eu escrevo que em plena solidão eu invento a intimidade que nos empareda. e que, apesar de tudo - das loas, da raiva e da inveja - sigo inventando o código secreto que nos delimita, que nos nomeia e nos faz juntos de verdade. não encontrei outra forma de não esquecer o quanto: je t'aime. mesmo que a lembrança seja a rasura da ferida mais sofrida, mesmo que seja a cicatriz futura que sobreviverá ao tempo e ao fim definitivo de nós dois.

3 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

ps.: você continua escrevendo muito bem.

Anônimo disse...

dear. as palavras somem agora. depois de ler este que comento. com a voz embargada e as lágrimas nos olhos. vou durmir comovido e sensibilizado pelas lindas palavras que encontrei. escritas por você.

Pesquisar o malote