29.10.08

a carta do vórtice





dear,

enquanto eu olhava as cerejas que se moviam em sua boca, as mãos gesticulando no ar, o cabelo loiro trazido obsessivamente para trás da orelha, senti uma atração erótica pelo já-sido, pelo jazigo que eu contemplava. primeiro fui levado pela mão, para embora do presente, seduzido por um passado vindicativo. depois, ao recordar os dentes se chocando brutos, experienciei de novo a saliva daqueles mesmos lábios, então fui me incomodando com a voz e o garrancho da voz, fui sendo arrastado pelas pernas, ensangüentado, de volta ao presente. e fiquei feliz por ser o presente o que é, por estarem as pessoas onde estão.
com certo alívio senti a duração da memória se extinguir, luminosa, de súbito. hiroshimizada & nagazaquizada, ela desapareceu por trás de um último frame de asco, reprovação e horror. qual prazer não senti em saber que não se repetiria em meu corpo aquela violência pregressa, quase a materialidade sexual da memória, que me faria gozar à força, gemendo e gozando também por cima da lembrança. ainda bem que fui tomado por essa força contingente, vinda de lugar algum, e de todos, ao mesmo tempo, e que interferiu no trânsito do pensamento. foi quando o vórtice acelerou o tempo, engolindo e me cuspindo, feito máquina, para ali, onde deveria estar. voltei a ver você, a quatro ou cinco palmos de distância, na última e única proximidade que voltaremos a ter.

3 comentários:

honey disse...

baby;
agrada-me [muito] teu fôlego 'erótico-discusivo'.
esta força sensual vertida em palavras, melodias e imagens.

Anônimo disse...

Gil e a outra só não gostam quando termina.
Um deles quer falar sobre ...QUASE A MATERIALIDADE SEXUAL DA MEMÓRIA.

Gostei muito.

Anônimo disse...

j'aime beaucoup; toujours étonnante.

g.

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