5.11.08

o desejo da carta, o desejo.


honey,

instrumento de fruição, meu corpo. satisfaça-me, meu juízo. me escondo do gozo, me esquivo do gosto, do desgosto, do atrevido se não for com você. quero, sim, explorar a carnuda boca, o trabalho do beijo e o trabalhador que beija, quero alienar a força do desejo, ou o que quer que seja. é preciso fazer valer a permuta, a troca de fluidos, a saliva gasta, o lençol desgastado da cama. então, honey, basta ser fiel para ser verdadeiro. basta não mentir para me manter aceso, para ter o que é meu por inteiro. basta ter força - e sobretudo coragem - para receber em troca e, por certo, trocar de volta o prestígio por amor. ah, as pequenas coisas do amor, a parte sagrada e erótica, as coisas gigantescas da carne, a carne profana. o amor finge prescindir a sexualidade, querer a coisa pura, para depois sugerir o arrepio do gozo, os pêlos duros, a pele suada. por que não me deixa viver a fantasia gloriosa de ser amado, de ser objeto de uso e abuso do outro? quero o desmonte completo do meu calor, do meu furor, quero que se conecte aos meus vasos comunicantes, que derrube o muro das pulsões, que faça o impulso pular o muro, percorrer o mundo, que me faça maré vazante, enchente, furacão. mais do que imperativa, a paixão surge como necessidade, parte de deus, parte de dentro, alimento, pão. fico faminto pelo desregramento da sintaxe do meu corpo, para que aprenda de cor (e de cor) a minha gramática, para que encha minha linguagem de vícios, gírias, coloquialidades. prazer. o prazer indecoroso da língua, da oralidade devoradora da língua, do orifício da boca, do dente, da saliva. fico à espera da libertação da libido fantasmática, da libido fantástica, da fraqueza do super ego, da intromissão da super-heroína. deixe-me de sobreaviso pornográfico, descrito, cumprido, manifesto. enfim, crie aqui o pré-histórico, o pré-consciente, seja feitiço, me torne feiticeiro, um ritual, um primitivo, um ardente instinto de salvação. sobretudo sobremundo, a vitória erógena do amor, o signo pleno do desejo. só não desfaça nem desonre a palavra, porque a vingança do afeto descuidado, as loas, as leoas que vem depois são juras, são promessas. são de inteira selvageria, e querem mais do que no amor, a carne sangrenta do coração.

Um comentário:

Sílvia Mendes disse...

Teu texto é do tamanho de um fôlego, uma delícia e um aperto no peito do começo ao fim. Muito gostoso de ler.

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