25.3.09

countryside III


Quiero llorar porque me da la gana
como lloran los niños del último banco,
porque yo no soy un hombre, ni un poeta, ni una hoja,
pero sí un pulso herido que sonda las cosas del otro lado.

Federico García Lorca


dear,

por favor, arranca-me dessa viagem adentro e tão longa. por favor, desacelera os trilhos, engole a fumaça, retrocede o metal dos vagões até o disparo anterior. eu não quero mais lembrar. não preciso lembrar que ao dormir em mim ainda acordo selvagem, que amaria de novo e outra vez, de joelhos, tua face de ídolo. o amor é feito na medida da barbárie, entenda. então por que os brancos do outro lado não invadem logo este território e dizimam minha civilização indígena e interior? tudo. tudo menos a permanência de um totem que perfura o céu e a carne suculenta do meu peito. vê este corpo? você poderia comê-lo. é o de um menino. devora-me até o despontar sublime das fraturas dos ossos, devora-me antes que me devorem as liturgias e os cânticos da memória. uma criança como eu só poderia mesmo se impressionar com as iluminações da natureza e o passado evocado por um oráculo-xamã. [interrompe os trilhos, por favor. não quero recomeçar a pedir. interrompa a viagem antes de guarapuava, kondá, cacique doble]. queria entender o que subtrair do menino para fazê-lo inteiramente homem. isto é uma prova. o retorno ao countryside é um terrível rito de passagem, por meio do qual sou obrigado a reviver tudo o que uma alma de criança lutou para esquecer. e revivo com brutalidade o amor como se a mil flechas envenenadas me penetrassem a alma. eu tento acordar o homem que mora em mim e suportar de imediato o que só aos homens é dado suportar - uma memória contínua e sem paixão. mas já segurei o homem pelos ombros, chacoalhei o seu corpo, gritei em seus ouvidos, ameacei-o de matar-nos. e nem nada: o homem dentro de mim dorme em sua tranquila noite. dorme enquanto viajo e até depois. qual maldição abandonaria o espírito de uma criança à constante recordação de todos os seus amores? eu vejo o totem em suas múltiplas faces de fúria. eu vejo a mim diversas vezes genuflexo em louvor. por favor, se não pode apagar a constelação luminosa das lembranças, arranca-me de mim, até as raízes, o pathos que ela desenha no céu da boca.

(imagem de: Hopper, dibujo para Sacrificio, publicado en "Everybody's", enero de 1922 IN Artbook Hopper: realidad y poesía del mito americano. Electa Bolsillo)

Um comentário:

Dan Oberdan Piantino disse...

Existe um desenho de Hopper que tencionaria ainda mais CountrysideIII. Nela, uma jovem americana está vestida de roupas brancas em uma floresta ameaçadora e tendo negros fardados a sua volta. O medo frágil da jovem, até os mínimos gestos caricaturado em feminilidade, é superado pela expressão de terror mudo e inexpressível do jovem negro que olha para cima como se olhando para a morte com a resignação e a atenção de quem captura o momento da investida da fera. Lá, a barbárie já deixou seu impacto, e não foi a civilização branca, nem a indígena o que inquietou os viajantes e a floresta, mas uma força não conhecida. Intuo que tão sagrada quanto a invocada pelos totens, mas ainda sem matéria porque pura divindade. Hopper, dibujo para Sacrificio, publicado en "Everybody's", enero de 1922 IN Artbook Hopper: realidad y poesía del mito americano. Electa Bolsillo.

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