12.3.09

countryside


my dear,

eu amo a civilização desaparecida, aquela dos amores que eu já tive. tenho paixão e também tenho horror. vez ou outra desenterro com as mãos e por puro acaso uma estátua de bronze, um rosto no âmbar, a efígie triste em uma moeda de ouro. e sinto as lembranças arrepiando a pele, me fazendo perguntas capciosas de trás pra frente, me lembrando das juras e das palavras que se extinguiram no ar. hoje o dia está irrespirável. desde hiroshima os dias já nascem irrespiráveis, cheios de asma, bronquite e hiatos. sem contar que estou cheio de uma radiação pegajosa, e de um ódio intenso por mim mesmo. se o ódio pudesse colar a fissura do meu joelho, se eu não precisasse mais me escorar nas escadas, se eu pudesse não ser mais o mesmo...e sou. continuo sendo. o mais insuportável é que continuo sendo e não há trégua. atravesso os tempos num trem comprido e fumacento. enquanto não há destino - enquanto o destino é um hiato - visito o countryside do coração e as almas dos mortos que por lá andavam. os amo mais intensamente do que outrora, talvez até mais do que já tenha amado a mim mesmo.

Um comentário:

Dan Oberdan Piantino disse...

acho que é a primeira vez que vejo o escritor de incorrespondências virando o rosto em direção ao passado. Sempre tão mergulhado em um, ou outro, ato de amor-ódio-intensidade-presente, ele agora se mostra como alguém cheio de história, por isso nova pessoa. Vejo-o no trem, voltado para a parte de trás do vagão, olhando a paisagem se distanciando. Seus olhos semi-cerrados se fecham em cenas do passado, enquantos as sombras passam sobre seu rosto ao som do trem sobre os trilhos. A multidão desaparecida não estará morta enquanto existam pessoas para lembrá-los. Mante-la viva na memória é a tarefa daquelas que os amam. As fissuras e as fraturas pedem por uma memória salvadora.

Pesquisar o malote