22.2.10

run, baby, run!


my dear:

havia um tempo em que o mar era verde, não era tão salgado, muito menos violento. havia um tempo em que as cores de estação eram mais frescas e mais saborosas. havia um tempo, não tão óbvio, nem tão distante, em que toda forma de tempestade acontecia em outro lugar, nunca aqui. nunca. então aconteceu: o mar encheu-se de prata, de sal, de violência; as cores floresciam de nada; e a tempestade, o mau tempo dos tempos, estacionou sem muitos avisos. foi no momento em que tudo se alterou que descobri o amor. é bem verdade que no mesmo dia eu cresci, senti a dor nos ossos, nas pernas, nos braços. senti a dor dos cotovelos, do desespero, da falta que faz de quem se deseja. foi nesse mesmo tempo que senti a fome e vi, pela primeira vez e para sempre, a sombra de um tigre contornando meu corpo. talvez eu tenha me refugiado nele, talvez ele já estivesse em mim. talvez a selvageria não seja do mar, tampouco a meia estação evite lançar aromas no ar. é provável, bem provável que eu não saiba mais como retornar ao tempo de antes. à inocência do primeiro verde dos anos, às brincadeiras no fundo da casa, ao único e intenso amor que nasce no colo materno. é bem provável, da mesma forma que tudo isso, que eu não queira voltar. e por não fazer esse caminho ao que me foi anterior, eu aceito tudo o que pode não estar de bem. aceito a chuva caindo sob o rosto, aceito as minhas próprias chuvas de silêncio, aceito a ignorância do desejo do meu corpo. aceito e não há mais o que responder. entendo que para este tempo novo e turbulento existam naufrágios e correntezas de arrasto. entendo o que é ser arrastado pelas ruas, o que é desabar no vazio dos prédios, o que é pedir tantas vezes em prece pelo que poderia ser meu. e por muitos dias, muitos meses, muitos anos eu tive a sensação de que estava correndo em direção a alguma coisa. ou pior: de que havia pouco tempo para que eu pudesse correr. hoje, dear, no dia de hoje eu já não sei se consigo mexer minhas pernas. os olhos desejam, mas o coração não bate. ele insiste em um silêncio insuportável, naquela falta de vozes que tanto me faz mal. escreva para mim, pois preciso ouvir sua garganta secando na fala. preciso ouvir o amor roçando meu queixo, abrindo meus olhos e me desejando beijos de longe e de perto. de muito perto se for possível. e para sempre se assim for. não sei como consigo sentir fome, sede, frio e não sentir vontade de colocar o corpo em movimento, em esticar os braços e tocar o que está mais por perto. às vezes é um pouco porque me sinto contaminado pelas lindas histórias dos livros, dos filmes, das músicas que senti nos ouvidos, nos olhos, por trás das pálpebras. uma contaminação por frisson, vibrando no ar, como as cordas de um violino raro, vermelho. às vezes só acho que tomei o caminho errado e preciso muito devolver a paz a um febril garoto apaixonado. até quando será repetido este mesmo dia no calendário? chegar em casa sem a espera de nada, fazer a comida para ninguém além de mim, assistir aos filmes nos quais eu choro e coro sozinho por paixão e pudor de ser apenas um e não dois. acredito que seja por isso que eu tenha lampejos cortantes: vejo um rosto sem definição, flutuando, sem nome ou país. sei que existe, sei que virá. enquanto não acontece, sofro aos saltos uma doença de impotência, uma doença de morte. deixo-me beijar por bocas que não me provocam tremor, deixo-me tocar por mãos que não me provocar ardor, deixo-me afundar na parte menor da vida. e para toda violação a si mesmo, há uma punição. sofro as febres nas malhas do tigre, sofro as intempéries do tempo, sofro a passagem dos anos e me sinto morrendo. morrendo sem poder correr, saltar, viver.

6 comentários:

jacque disse...

Há tantos dias sem um post, e retorna assim d arrepiar..saudades de você moço...

Anônimo disse...

sinto fome de seus textos.

poste mais regularmente, marcio. não me mate de inanição (péssima, hehe).

Natália Pinheiro: disse...

Aprender a ser ímpar. Que tarefa infernal!
Adorei o texto. : )

Unknown disse...

não corra amado que a dor ainda é a melhor aliada dos teus escritos. bjs...

Anônimo disse...

ahhh marcio tu anda demorando pra escrever... não nos deixe nessa triste espera...

Anônimo disse...

sou apaixonado por cada letra, cada sílaba, cada frase de seus textos.

não nos deixe esperando tanto.

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