10.7.17

o cerco de constantinopla

my dear,

o descompasso entre os tempos, o do vivente e o da vivência, impede o recebimento de missivas. então, retorno à captura do instante antes por meio da fratura temporal, do encavalamento histórico. grande chiste, faísca, explosão? a pretensão de não me ser sendo: extravia-me a carne em pequenas postas, subtraia-me dos punhados de pós, pois de lá nós somos, para lá regressaremos em velocidade aterradora. tal é o horror cósmico das almas terrestres, caminhando a pé no leito dos mortos, sem qualquer velocino. a demência me consome com a invasão, menos que um sardanapalo mais que um nero. essas palavras retornam no tempo para tocar o instante anterior   o do cerco. os carpinteiros já derrubaram a cumeeira, ou eram de exército seu exercício? os templos arruinados, as escadas sangrentas, o amor entediado e desumano. todos e qualquer um, bem os sabia, cada qual um colosso equestre, carregando no ventre o ódio dos traídos. nada me cativa , pura carnificina de raposas, usadas agora em estolas e bolsas de griffe. ouço de longe a cítara, as setas silvando nas muralhas do chifre de ouro. foi pra isso, foi pra isso que vieram. o estuário anuncia a vinda de istambul e o fim. bósforo, mármara, negro, me acenam à distância, contemplativos, pesarosos. jerusalém, jerusalém, me encha agora da glória da peste negra, adoeça todos os cativos, amordace todos os combatentes, pois a idade moderna não é pra mim. os nativos do meu peito sempre serão bizantinos. por isso, nas profundezas da cidade destruída, recolho meus membros, minhas palavras e minhas dívidas. o alcance é pelo instante antes; depois, não haverá amorosa vida. e apenas o messias se achegará a mim, roçando minha garganta com o bitter-sweet corpo e sangue de cristo, signos de paixão que eu devoro, e quedo devoto, de joelhos embalsamados.

.:marcio markendorf

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