31.7.05

correspondências. notas depois da festa.



my dear,
é daqui que tiro o que escrevo, dessa festa. eu disse que viria buscar, saber o que é verdade. logo que entrei, meus olhos de imediato pousaram nos teus, tão de longe, tão longe, tão não meus e distraídos. sei lá quanto tempo, mas fiquei te olhando bem e profundo. quantas histórias eu já ouvi, fingi que nem acreditava, só tédio e não ter o que falar de tanta gente tonta. e o tonto fui eu, que andou bem na tua coleira, bem na tua cola e não viu teus truques de engano. chega perto, não vem? mas me viu, sei bem. dou uma volta, sim, é dessa festa que eu te conto tudo, depois que eu tomei mais um pouco de vodka vagabunda com refrigerante em copos de plástico. te vi passando, seguro pelo braço: 'oi, nem vi você'. a boca num sorriso de deboche, o meu sorriso de finge-que-não-é-sabendo-que-é se apagou na hora. mal olhou no meu rosto, seguiu embora. toma coração, era isso que veio pegar? agora se ajoelha no chão, pega teus pedaços feito cacos, pisados por tantos cascos de cavalos gordos. por que o amor é tão cachorro? faço que não me importo, é uma festa: música, cigarros, bebida. nem me dou conta de quantos copos inteiros eu bebi depois, de tão entorpecido e tão fingido que eu estava. nem vi quando comecei a nem misturar mais refrigerante, mas beber a vagabunda da vodka quase no gargalo. eu só ouvi um som longe, já baixo, alguma risada. eu me divertia, eu acho, porque você nunca se diverte quando é deixado assim, de lado, mas eu tentava dançar, só que não era música, era uma cantilena meio tristonga: nem te vi nem te vi nem te vi nem te vi, tipo passarinho, só que como um tapa da cara. alguém me puxa pelo braço, 'vambora'. dentro do carro, um mundo de trabalho nas cordas do corpo, roldanas iam puxando o de dentro, pulsão, pulsão, eu queria você, por isso eu vim, não sabia? pensei, é daqui que vou tirar você de dentro, e foi: de cem em cem metros fui cuspindo você de mim, vomitando toda vez que o carro parava e a cabeça girava. sim, eu fazia isso por mim: te tirava de dentro como se fosse a morte: o peito ficou cansado e dolorido com tamanha força de vontade, ficou exausto e estourou as roldanas. nem vi você, nem vi eu, magoado, de cara no espelho. também não vi quando entrei dentro de casa arrastado. daí pra frente só flashes: eu ajoelhado numa poça negra, com cheiro de café, tua cara boiando no meio das bolhas e do cuspe, nem vi você, a saliva grossa te afogando, eu expulsando teu gosto da boca, essa coisa retida no meu estômago, agitada, agora, como um mar revolto. foi mágoa sim, apaguei, nem me lembro, tudo embaçado, o escuro do quarto, o teu rosto sumindo lá no escuro e gosmento mar. o que não se viu, se esquece. coração aprende logo. fecha a janela, por favor.

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