29.11.05

correspondências: extravios II


my dear,

não te escrevo porque eu quero, mas porque preciso. rabisco esses papéis pra não colocar minha vida em risco. só não devo colar minha vida no cinzel, e me desfaço por inteiro no que redijo. eu sou eu: agora não sou absolutamente eu: me coloco na relatividade absurda. [assopro o improvável: estou resumido ao coração absoluto, também absurdo e bêbado. isso sou eu: eu te assanho o ouvido?]. nem me quer, mal me quer. invento outras cantigas, ao invés de pétalas, arranco as páginas do que escrevo. e fico fazendo com apuro tantos rascunhos daquilo que não devo. certas solidões não se resolvem com os amigos. o que eu disse já virou rasura, a carta que enviei ficou de extravio. por que não me desloco para o teu ouvido, te conto mesmo de sussurro o que está por dentro? por que eu não te digo que não quero mesmo querendo ser tãoterno e te amar tanto pela noite adentro? e se eu parasse de ser o que eu escrevo e voltasse a ser o que eu era? porque esse quem escreve não sou. só posso dizer da pessoa que existe antes de pousar a pena, sinto pena de mim mesmo por ser duas pessoas ao mesmo tempo. e se eu não te digo a verdade aqui, é porque eu não te falo. se eu falasse, seria mais sincero. então, quando me encontrar, me olha bem nos olhos e tira deles o que eu te quero [dizer]. beijos.

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