10.12.05

correspondências: a ausência.


my dear,

toda vez que eu te escrevo parece que o faço pela lacuna, fica um espaço, uma brecha, nessas cartas que nem me responde. por isso e eu fico espiando pelo buraco da fechadura esperando que as abra, leia e saiba de tudo que se passa do outro lado dessa porta. e parece que nem se importa, guarda todas na gaveta, lacradas, para um dia, quem sabe. dear, se minhas notícias viram arquivo, meus sentidos ficam assim, esquivos, sem saber o que fazer com tua desleitura. e você sai de casa sem deixar recados, vejo outras coisas na tua mesa, nomes de pessoas que nem conheço, tento te perguntar depois, mas esqueço de tudo. e sinto que vai me esquecendo. peguei o hábito de ficar horas debaixo da ducha gelada, chorando e sonhando. a água me machucando, me enrugando o corpo, você nem me ouvindo e chegando outra vez sabe lá de onde, sei lá quando. se digo que o tempo nem parece mais ter importância é porque já nem conto mais quanto eu te escrevo sem retorno. nem mesmo sei desde quando minhas coisas pela casa te parecem um estorvo. fico caminhando pela casa vazia, cheia de um silêncio dentro de outro silêncio, as não-palavras do físico e do íntimo. decido partir e vou encaixotando tudo, ouvindo esse eco dolorido que se desprende do fechar das caixas, do rasgar de fotos, de velhas memória emotivas, agora já tão antigas no teu olho. fico me demorando, queimando incensos pra que não saiba que estive o dia inteiro dentro de casa, suando e chorando, salgando os móveis e o chão da sala. dear, eu sei que não volta hoje, quem sabe, nem depois. mas não quero deixar nada, nem essa sombra que eu percebo a todo tempo, tão sozinha e tão minha, tão meu reflexo. então me demoro mais um pouco arrombando tua gaveta, relendo as minhas cartas, envelhecendo em cada linha, porque esse voltar ao tempo é saber o quanto perdi, toda vez que te pedi pra me amar. e me deixando assim, só me fez morrendo por dentro, como um indigente, sem ter onde ficar. deixo tudo pronto, ainda te espero mais uma vez. só quero que na volta não encontre no quarto meu cadáver delicado, meus pedaços de verso, meu amor, agora, de reverso.

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