7.11.06

carta fora do tempo

my dear,

hoje é um dos dias de noite sem refúgio. o vento frio sopra nos portões de aço, sopra nos postes de luz amarela, sopra nas palmeiras das casas rosadas, sopra nos encouraçados enferrujados do cais e nas portas vermelhas e sem trinco. o vento sopra na boca e dentro das pessoas como o espírito santo. mas é um vento frio, não é quente como a alma. por isso corta e nos acorda no meio da noite, sem cobertas, como quando se acorda depois de um pesadelo. sem o calor de um quarto quente, a vida não tem refúgio. é o transitar insone do quarto até a cozinha, um ligar de tv com canais fora do ar, um beber de água em copos de vidro sujos, um adormecer na sala com as persianas farfalhando no frio que sopra. não há lugar onde eu não sinta a estupidez da lâmina gelada cortando a cara, o corpo, o coração. é uma noite de vazio, de plenitude da falta, da loucura e do choro dos edredons. também dos cachorros que ficam ganindo nas estações de trem e nas encruzilhadas.e antes que eu me esqueça, amor, quanto mais eu escrevo metafórico e sem sentido, é quando mais eu preciso. não demore. peça a deus para não demorar também. há dias ele está em férias comigo, foi embora daqui e colocou tudo numa mala só e sem fim. foi embora sem dizer palavra. foi embora porque eu não disse mais palavra alguma. goodbye my god, goodbye my love. i miss you and i can't not live without you. i can't not leave this leafs on the floor where i lay down. without you. e se a noite de hoje parece longa demais é porque eu me alongo no dorso desse vento frio que sopra um som de flautas e obóes. uma música que me dá poemas ditirâmbicos com os quais faço letras de jazz, interpretadas mais tarde, quem sabe, por negras sulistas em algum bar cheio bêbados e fumaça de cigarro e prostitutas na américa. não, amor, acho que esse é o vento que fabrica os furacões do inferno astral, que rodopiam a gente no meio das folhas e das calçadas de granito dos edifícios.hoje é um dia sem refúgio, sem abrigo, sem amigos. todos se foram assim que fechei os olhos, assim que vi as costas de deus me dando adeus, assim que os furacões da américa central disseram hasta la vista, baby. e me deram também as costas. o que te escrevo esta noite não tem data. não será posto em cartas nem cartapácios com bordas de couro. o que te escrevo está na minha pele, feita de ouro de tolo, de amor bobo e incomensurável. o que te escrevo é a solidão de um apaixonado que nunca nunca vai parar de amar o mundo e os seres amados. o amor, meu deus, é um jato de sangue. não há como estancar, deter, parar. e só o amor pode ser um refúgio para as noites como esta. frias, sozinhas, solitárias, autoritárias quanto ao destino do meu bem. noites nas quais não vejo mais a bravura nos olhos, apenas a tristeza. o soprar incansável da tristeza.

3 comentários:

Anônimo disse...

um dos mais tocantes que já li aqui, tão sem voltas que consegue ser mais racional e despertar o emocional sem igual como antes, muito bom honey, gostei (=

Anônimo disse...

Não posso nem dizer que é pior ou melhor que algum outro texto teu. Posso dizer que continuo leitor assíduo do que escreves, comentando, ou não. Obrigado por mais esse belo texto.

honey disse...

ai, honey, q lindeza. q leveza!

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