22.4.07

cartas guarapuavanas


my dear,

faço viagens como quem faz rituais de passagem. acabo de assinalar o meu marco zero. pela primeira vez que deixei esta cidade, senti que deixava também outra coisa. algo que estava de partida e que partido não voltaria nunca mais. então chorei ao cruzar as pontes, ao passar postais pelos dedos e postar cartas para endereços que agora me soam estranhos e pouco familiares. unheimlich. uncanny. estou indo para as terras nas quais nasci sem reconhecer estes sangues que me examinam a vida. me sinto tão estranho atravessando esses campos de cevada e trigo, essas árvores enormes de araucária, os eucaliptos, as curvas das colinas, os pesque-pagues na beira da estrada, as barracas de milho cozido dos índios. volta e meia uma vaca leiteira, gorda, malhada, pastando por um campo verdinho. tudo tão diferente de antes, da cidade para onde fui. entre uma cidade e outra um deserto de homens, campos de soja, os cupinzeiros vermelhos e os gados de corte lambendo sal. não pertenço mais ao sangue e às longas estradas retas. não pertenço mais ao que se partiu aqui dentro e ali fora. eu preciso da devoração, preciso ser devorado com a volúpia dos lábios de deus. já passei o resto dos dias enterrando os ossos quebrados nesta secura. chegou a hora de ser empurrado para dentro da origem, o caminho inverso de uma boca vermelha e intensa de calor. é tão estranho que não sei comunicar esse refluxo. influenza e febre e vômitos. fui limpando cada fiapo de pele torturado pelo suor dos que se defrontam com o início. me alinhei com os que procuram os meios para o meio e um caminho para o fim da história, o término da glória dos dias terrenos. tenho me feito de ave de rapina nos ninhos de deus. e vou me sentindo pronto e perfeito para voltar e voltar a ser o que nunca fui. atrás de mim eu havia deixado uma ruína escura. sei que depois de abrir meus olhos vou encontrar o colosso de rhodes às rodas com meu corpo pontudo de estrada velha.

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