19.5.07

carta das janelas.


honey,

vejo o mundo da janela do teu quarto. te vejo morando entre mijo de gato, louça suja e roupa amarrotada. conheço o intervalo entre o teu armário e a parede, assim como adivinho a nudez e a sujeira dos cantos e das arestas. e sinto que não há lugar aqui para mim. tudo é feito de uma maldade tão dura de beleza que não adere à minha pele. repele. como o asco inicial de uma casca peluda que guarda por dentro uma polpa carnuda e suculenta. (a delícia horrível dos kiwis). sinto que aqui também não há lugar para ti. não agora, porque eu me atraso nas trações de pernas que seguram tuas coxas. o eu, o aqui, o agora, portanto, se perdem tanto das referências e dos referentes e pedem muito pela indiferença dos corpos. verbo tu, verbo eu: verbo nosostros. é uma casca de pêlos e arrepios, uma cápsula, para dois frutos suculentos. também para um déjà vu noir: negro e denso como a boca da noite engolindo a boca de um sapo negro. vejo a janela do teu quarto pelo mundo. as sombras de tua presença são meus fantasmas noturnos, as tuas memórias são o peso das minhas costas. e amo tuas lutas e teus medos: invadirei as terras contigo, farei a reforma agrária dos banidos e dos corações-latifúndio. mas nem eu nem tu pertencemos a este lugar. eu tive um déjà vu no ar: uma fruta madura despencando no espaço entre a copa de uma árvore e um chão sangrento. nosso lugar é uma queda de corpos, sem leis ou metáforas. e quero despencar contigo sem essa coisa horrível do amor: a saudade. sem você me sinto deitado em montanhas de sal, cercado de escorpiões brancos que enchem meus olhos de veneno e poeira do mar. te vejo da janela do meu quarto.
quero te tirar daqui e nunca mais te tirar de mim.

2 comentários:

honey disse...

quanta lindeza. quanta delicadeza na tua palavra, dear. impossível não se encantar com a tua literatura. bjo

Alberto Pereira Jr. disse...

"as tuas memórias são o peso das minhas costas"

simplesmente lindo!

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