1.5.07

paris não é uma festa 2


dear,

noite passada paris sofreu um ataque aéreo e ficou em chamas. as línguas do fogo lamberam tudo, até mesmo o topo da torre eiffel. a cidade dos amantes foi reduzia ao pó. e as línguas dos amantes igualmente foram reduzidas a cinzas. paris não é mais uma festa. champs-elysées transformou-se numa rua de cadáveres insepultos e de rostos sem memória. não há um só arco que represente o triunfo nesta cidade. o mais impressionante é que quando olho para estes escombros é como se eu tivesse um déjà vu. não seria para menos. há muito tempo riscaram meu nome destes mapas, me fizeram de morto. outras vezes já vi a mesma destruição, a mesma explosão de raiva e as palavras-baioneta. carros e vozes trafegam por onde diziam ser minha última terra. sim, dear, eu sou o soldado desconhecido. me esconderam do mundo ao mesmo tempo em que me fizeram roteiro turístico. tirando minha voz e minha identidade, me fizeram um exilado, um errante. e isso é o mesmo que estar morto. para todas as instituições burocráticas eu era um invisível, para os governos, para as mercearias, para os bancos também. com o tempo até para as pessoas fui me tornando invisível. e ninguém viu a minha fome. uma fome de mundo. haviam cegos que me percebiam e atiravam moedas aos meus pés. e não era disso que eu precisava. então enfiava dois dedos na garganta e vomitava a pena das pessoas. sujava as mangas da camisa e os bicos dos sapatos, mas não isso não tinha importância. eu era um homem feliz por cometer a anorexia do impróprio dos tempos. por incrível que pareça estou feliz diante desta ruína. paris, paris, oh paris! eu respiro seus ares de chumbo e cortinas de fumaça com tanta félicité. tua cidade pode estar reduzida a escombros, mas não reduziram meu corpo ao mesmo monte de pedaços. podem ter me esquecido, mas eu não esqueci de mim mesmo. muito menos do amor. e se eu me deitasse agora no chão, de braços abertos, o simples pulsar de meu coração colocaria tudo em movimento de novo, como se fosse anteontem. só não não poderia mais suportar aqueles doces olhos dos quais eu bebericava o néctar feito uma abelha-leoa. uma abelha-leoa e um invisível. dear, destruí paris nos meus sonhos, destruí o sol em pedaços de flores, destruí meus amores porque era impossível viver assim: um rosto sem nome, uma garganta sem voz, uma pele sem toque. eu disse que era déjà vu porque eu sou o mesmo desconhecido de antes nesta guerra sem vitória. (o amor nunca deveria ter sido uma batalha)

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