3.1.08

umheimlich.



dear
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o acontecimento é irreversível. ao contrário do espaço, que se expande até o infinito, o tempo se contrai, dobra-se por dentro e sobre si mesmo, a ponto de quase atingir o fim, que é o mesmo ponto de começo-ponteiro. nessa viagem de retorno, o tudo-passa-aos-olhos brilha tanto quanto as luzes do ecrã de um filme. o tempo pode muito bem deformar as imagens, mas o que se deu não tem volta. logo logo aparece o indizível peixe-fantasma, subindo as escadas de boca aberta, devorando tudo, inclusive o pensamento e a memória do futuro.
dear, o que não é verbo eu esqueço. assim é que desvaneço os mitos, aqueles passados de boca em boca, soníferos, pouco antes das cinco da tarde. existe uma hora zero que não se pensa em nada. o hiato (da vida insuportável/intolerável de clarice atrás das águas). a cidade à meia-lua, luz cortada em semi-círculo, em cortina, em bandeira, lá numa noite turca e trêmula. (não quero mais falar subindo os degraus, pedindo esclarecimentos, antecipações e, também, talvez, esquecimentos brutos de diamante).
eu pensei que o jardim botânico fosse mais hostil e selvagem. algo como o coração da selva do congo. o coração das trevas. tão decepcionantes são esses caminhos de calçada e pedras. quase nenhum esconderijo para o amor. exceto atrás das estufas, contornando o mundo por baixo, baixo como uma formiga. daquelas cortadeiras, que abrem o caminho na escuridão.
agora que eu estou de volta a mim - o lugar natal me parece tão estranho (e o real soa como algo do qual não preciso). as mesmas ruas, casas, caras, curvas. sinto que entre mim e a cidade há um intervalo tão grande que preciso ser mediado. conheço o idioma, mas a língua roça tão estranha que preciso ser traduzido nos ouvidos. quando eu digo 'eu morei aqui' é quase o mesmo que dizer 'estou aqui. a paisagem do corpo é transitória'. é como se eu não entendesse mais. o que era familiar parece tão bárbaro, tal qual o rio inverso que engole as águas sem intimidade.
antes, eu entrava no espelho. agora sou uma imagem sem cabeça nem pernas. e é irreversível. o tempo.
ouço tangos de um antigo como eu, ou nem tanto. faço parecer mais porque sou antiquado demais onde estou. carlos gardel de vinil. tu me acostumbraste. el dia que me quieras. infamia. lembranças inventadas de uma infância vão se dobrando, fazendo malas. gardel é assim um pouco sem pátria como eu. a voz perdida no meio da sala. a bagagem e um pouco de vinil dourado: la cumparsita. a media luz. quem sou eu depois que tudo aconteceu? não sou. não sou.
ou sou.
a matéria atravessando o tempo, transparente, translúcida, esvanescente.
um messias que chega tarde demais e sem bater na porta.
enigma, comentário, o segredo de uma vida inteira.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito desse post e seu blog é muito interessante, vou passar por aqui sempre =) Depois dá uma passada lá no meu site, que é sobre o CresceNet, espero que goste. O endereço dele é http://www.provedorcrescenet.com . Um abraço.

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