19.1.08

[outro fragmento]


dear,


primeiro dia de grande chuva. era a parte escura de um dia um pouco silencioso e profundo demais. vai ver que as dobras do vazio estão contaminando tudo, se espalhando pelo ar como poeira, ácaro ou gripe. depois que fiquei tentando preencher as coisas todas com alguma coisa, meio inebriado, me vi singrando como um barco bêbado a noite tempestuosa. subi pelas ruas da cidade sem casaco de general ou insígnias de bravura. caminhava como um reles soldado, de uniforme encharcado, deserdando de uma batalha de almas. foi quando, debaixo da luz de um poste, tentei ver o mar evaporado que caía do céu. pensei: é mesmo a tranquilidade das duas horas da manhã no meio da tempestade. e havia coisas que eu não conseguia entender. um rosto meio sem gosto por trás da janela. uma promessa de nunca mais. a mudança inesperada do pronome tu para o você. não me diga mais que os dias serão tranquilos e calmos, cheios de delícias e levezas para um prato só. eu queria tudo de volta, desde o sol nascente até a maré prateada, mas os nós dos dedos ficam soltos, sem ter onde tocar. tenho medo que amanhã não seja a mesma promessa. talvez quarenta graus de febre, talvez uma solidão insuportável e tão sem fim.

Um comentário:

Andréia Carvalho disse...

Boa tarde.

Tua escritura é muito bela. Um fôlego materializando mitos internos.
Permita-me voltar.

Abraço

Bellatrix

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