18.3.08

cinema paradiso

love, love, my season
sylvia plath
dear,
escrevo para não enviar notícia alguma. os pensamentos são mais velozes que as cartas. não consigo registrar a ínfima parte que me cabe. e como as notícias, o que posso dizer tem o mesmo valor de um jornal velho. continuo a afirmar: nada mudou. as coisas ao redor é que se transformaram por feitiço em outras coisas, em movimento. como um travelling da câmera, seguido de um close-up brusco. no meu pequeno cinema mental, frames e frames isolam um personagem colorido em um fundo preto-e-branco. seria o mesmo filme se não fossem outras tantas seqüências e fatos episódicos. eu me lembro bem da primeira vez: o inesperado encontro na rua, o slow motion, uma palavra hesitante e um sorriso bonito. antes a lua tivesse o seu lindo rosto, mas sem a mesma beleza aniquilante. antes eu pudesse declamar um poema de cor sem tanta paixão à mostra. eu escrevo sem conteúdo porque não quero dar bandeira. acho que tenho mais medo do objeto do que propriamente do desejo. por isso eu mesmo torno as fronteiras intransponíveis e inaceitáveis - não quero destruir o pequeno toque acidental de nossas mãos. e não suportaria ouvir não. talvez não de novo. então lacro as fronteiras porque tenho medo do nada - o que de tudo, é o pior. a falta, o medo, a solidão e o amor são a mesma coisa nesse país de dentro que eu habito e que me habita, que me rege e que me governa por completo. você me diz que o corpo do artista dói por conta da própria arte. eu penso que mais dolorida é a arte feita com o próprio corpo: a arte-recalque, a arte-sublimação. por essas cartas amorosas vai minha pele tatuada de linguagem e meus suspiros de defesa. hoje quase não tenho notícias suas. vadiando pela áfrica, talvez, sem pensar em mim. a câmera vai se fechando, fading out em negro, o cinema mudo. me vejo sozinho na sala de projeção, com um papel sem palavras, mil pensamentos voando: amor, amor, amor. (se você soubesse dos beijos recortados, os frames inteiros, em rolo, faria o sequestro, em mim, das imagens que tenho?)

Um comentário:

Anônimo disse...

Preocupo-me contigo, sempre estou aqui para conferir teus pensamentos, esteja seguro e certo que você é inesquecível.
Carpe diem.

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