6.5.08

o nunca mais.


honey,

o Nunca-mais é o estorvo, a delicadeza bruta da retirada e do retorno. o Nunca-mais tem sede e fome, o Nunca-mais tem nome e me devora de fora a dentro. o Nunca-mais faz de mim sua pressa cor de ágata, sua presa gasta de diamantes, seu dente de sabre que nunca sabe, sua garra de tigre incontido e selvagem. é apenas para o Nunca-mais que escrevo estas cartas, para esse que tem vontade de mim, que me adoece, que me embriaga, que me diz desaforos surdos no ouvido, depois pega, esfrega e apaga lentamente a noite e as palavras. o Nunca-mais não tem dono, nem socorro, nem reparação do dano: é como um cachorro perdido no escuro do mato, no interior do congo, ferido, ganindo faminto, mordendo o próprio couro. o Nunca-mais, meu bem, alisa minha pele e cospe no meu rosto enquanto, com desgosto, eu penso no Nunca-Nunca-mais. mas não se esqueça que o Nunca-mais também tem volúpia, é o reflexo gordo da luxúria murcha e, por isso mesmo, mancha meu corpo, vende minha cama e prepara os múltiplos do gozo. o Nunca-mais sempre sabe quem sou eu quando eu não sou. Ele reconhece a fraqueza das horas, dos gritos abafados de travesseiro, dos espasmos contidos na escada, depois me empurra para o abismo, o cão-sem-dono, o eu-sem fundo, o surdo-mudo de foro íntimo. o Nunca-mais me leva a sério: descendo descoraçonado pelos recantos da boca, faz de nó e couraça a cor corada da garganta. não sei mais se é caminho ou delírio o Nunca-mais, mas ainda rezo de mãos juntas e espalmadas pelo exterminador dos anjos. aquele que nunca mais me trouxe notícias de gaveta, nem liras de vento ou sonhos de bravata. o Nunca-mais é tão triste que me dá as costas, e dê partida pela frente, mente sobre o que existe entre nós. não sei se quero mais o Nunca-mais. troquei os lençóis do quarto, troquei as caixas postais, troquei a áfrica por mim, troquei o atlântico por mim e não quero mais ser trocado por menos e tocado por tão pouco. às vezes eu acho que o Nunca-mais vai ficar para sempre. o Nunca-mais é tão forte e eu tão fraco. vai ver é com a morte que eu encontro o mais de mim. ou o grau zero: o sempre-nunca.

3 comentários:

Anônimo disse...

devastador e delicioso.
falas mais alto que as batidas descompassadas e palpitadas do meu coração.
vamos nos disfarçar de fantasmas e dar sustos nas pessoas?
prometo espantar o nunca-mais definitivamente da sua vida.

Anônimo disse...

odiar e execrar também.

Anônimo disse...

Desejar viver numa voragem de felicidade, simplesmente por ser quem se é, origina essas explosões de ira sagrada, quando o desejo não se realiza mais. Mas há sempre uma esperança: o sempre e o nunca estão irmanados no coração dos poetas.

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