24.5.08

a segunda parede




honey,

não tenho coragem suficiente, mas ainda assim estou fazendo parte do mundo ao redor. não sei onde eu li, acho que em algum escritor latino americano, talvez ernesto sabato, que falava sobre duas pessoas num túnel ou corredor, separadas por paredes de vidro. uma maldita espessura, de menos de meio centímetro, apartando o que é destinado a estar junto. estamos assim, honey, hubi, meu amor. queria tanto pôr abaixo essas paredes, trincar, estilhaçar esses vidros e passar para o outro lado. não sou alice nem quero saber de espelhos atravessados. desejo tanto que o medo seja pouco menos sólido. se pudesse, que fosse líquido e, se possível, vaporoso - daquele tipo de vapor que sobe aos céus e se desfaz em nuvens bem altas.

nunca vi você assim de tão perto, tocando sua flauta indiana, me encantando e me fazendo sair do cesto. sim, eu sei que seu sopro me cura. sim, eu sei que seu choro me culpa. que de outro modo, então, posso subir a segunda parede, a segunda pele, a segunda boca das bocas de narciso & leão?

é bem possível que você não tenha me visto chegar. nem eu.
da primeira vez, não foi amor. da segunda em diante, contudo, todas as vezes que deitei para sonhar foi seu nome que apareceu enfumaçado nas malhas sedentas do sonho. aos poucos a imagem mais nítida de um colosso, de um encouraçado, de um bem-amado manifestou-se no espírito e no desejo do espírito. se foi epifania eu não sei, mas a luminosidade ofuscou todas as outras coisas ao redor, grandes ou pequenas ou majestosas. e em segredo eu te chamaria depois de: my shining and glittering diamond.

é bem possível que você não tenha visto. nem me ouvido falar.
mas sussurrei um sem número de vezes o seu nome pelos ouvidos, desejando que a própria garganta de deus vibrasse suas divinas cordas e fizesse os verbos do teu corpo de novo e de novo e outra vez para sempre & tanto & tão cheio de música. em silêncio, pedi aos guardas dos anjos invisíveis, que me preenchessem da matéria sua para que quando eu me tocasse, tocasse naquilo que é seu por inteiro.

é bem possível que você não me veja. nem saiba que é furto.
vagarosamente estou me apropriando dos cantos, colhendo cada encanto de cada canteiro de aurora contigo, fazendo das flores, um beijo; das dores, um afeto; das cores, um amor-perfeito. e entrando disfarçado pela porta dos fundos, recolho os vestígios de sua passagem pela grande vida, como quem entra sem máscara pela frente do corpo.

é bem possível que você não saiba, meu bem.
cleptomaníaco você se achegou. e voltou tantas vezes à cena do crime que as marcas de desaparecimento se apagaram. e se apagou, também, o tempo em que eu não era seu. cleptomaníaco eu devolvo o truque e o crime, esperando roubar o tempo em que você não era meu.

entretanto, dentro de todo esse universo provável, tenho certeza é do impossível:
as paredes,
as segundas paredes de vidro,
que não quebro por medo,
que não me distancio por amar mais que temer,
que temo quebrar por medo de amar
o que pode ser tão grande
e contínuo
e sem-fim.

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