20.10.08

dez anos de janeiro.



honey.
sonhei que você não existia mais. e foi bom. porque não existia mesmo razão para continuarmos existindo. insistindo nessa fantasia quase estúpida que é o amor. eu já desisti há muito tempo, quase dez anos, dez anos atrás. eu não acredito mais em você, não imagino mais o nós. ainda mais depois que, dia a após dia, sua vida se enchia de mais nós, ataduras, suturas. sobretudo a âncora tatuada no braço. nunca ninguém ou coisa alguma vai te tirar daí. posso até ouvir falar, mas não há nada que possa fazer por mim. voltar aqui a cada dez anos, como quem segue um navio-fantasma, não enche mais o coração de alegria. e acho que por isso que sonhei. você vinha até aqui só para dizer, com meus olhos atentos olhando os seus, marejados, que estava acabado. e era o fim da maré que te trazia. não haverá mesmo história igual, nem nenhuma outra que supere nossa história de mais de uma década. o que encontramos naqueles dias de janeiro não passará nunca. e por isso mesmo não vejo mais motivos para tanta insistência: a cada janeiro, há mais de dez anos, tentamos repetir o mesmo janeiro de dez anos atrás. tramamos tudo. contudo, a magia não é mais a mesma, a dor não é mais a mesma. eu fui e voltei na metade do ano e já não era mais a mesma coisa. só janeiro nos salvava. janeiro e seu idílio de turista, que é quase como um retorno simbólico à natureza, ao paraíso intocado, ao éden amoroso do qual fomos permanentemente expulsos... então a realidade foi interferindo em nossas vidas, o princípio de realidade foi nos ferindo, e o amor que encontramos naquele janeiro, a despeito de todos os fracassos ao longo do ano, e de uma vida inteira, virou a máxima utopia. minha ilha, seu desterro; suas férias, meu exílio. acaso um dia parou para contabilizar há quantas horas nos conhecemos? acho que juntas não encheriam a cartela de um mês, dois meses no máximo, nesses dez anos passados. quão perigoso não é esse conhecimento sazonal que temos um do outro, mistificador, bestificador. fiquei pensando em quanto tédio eu não deveria sofrer, em quantas manias teria de aguentar, em qual fosso eu não deveria me esconder quando não pudesse mais me compreender e conversar. pensei em quanto me odiaria pela impaciência, pela teimosia, pelo perfeccionismo. eu tive a coragem brutal de imaginar nosso amor rasgado, arruinado, enojado de si mesmo, como aconteceu com todos os outros amores que vieram antes ou depois de janeiro. é o que pode acontecer (o que certamente irá acontecer) se existirmos ainda, algum ano, também em fevereiro ou março. seremos descobertos por inteiro e nos desapaixonaremos, ambos partindo depois para uma terra de transe e sonambulismo. a influência desses quase dez anos sobre mim, aliás, tem sido nociva. meu forte apelo à simpatia, à poesia, à uma história de amor me fazem desejar muito mais a história do que o amor, mais o verso do que o poeta, mais a delicadeza do que a pessoa. e me frustro a cada novo objeto surgido, pois não conseguindo preencher a dimensão da carência taurina, me desapego logo e me encho de preguiça com uma rapidez dos demônios. fui seduzido demais por aquele momento concentrado de felicidade, aquele happy end de janeiro, sem pensar um momento antes que o star system estava em greve de acontecimentos. por isso foi bom sonhar que você não existia, que os dez anos foram apenas um ponto cego, um poço escuro e seco, ao qual eu não pretendo retornar com a mesma sede de antes. sonhei contigo cheio de uma lucidez constrangedora. não é o fim do amor. não haverá outro igual caminhando sobre a terra, nem antes nem depois do fim. só que para existirmos, ainda, apenas a história deve subsistir na memória. nem mais. nem menos.

Um comentário:

MaxReinert disse...

Opa!!!
Olha quem eu achei por aqui!!!!
Que bom poder te ler um pouco....
Abraços!

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