28.11.08

o trapézio em vôo


dear,

eu precisei de uma coragem dolorida e trêmula para ir até o alto. da plataforma azul eu poderia ver deus, o diabo a quatro, a pior coisa do mundo, contudo, por puro nervosismo não enxerguei mais que um palmo adiante. os velhos pesadelos me seguravam a crina: edifícios de aço e vidro, aquela escadaria estreita e sem corrimão, o elevador que despenca. as mãos molhadas, mesmo cheias de breu, deixavam o coração ainda mais preocupado. isto é um salto mortal de iniciante, meu amor, não é brincadeira, não, não é palhaçada de circo. eu bem poderia subir dois ou três metros, fazer figuras, pranchados, ser o rei de copas que não cai no tudo ou nada. poderia, mas não fui. queria voltar ao dia em que, de pirraça, dei a subir como um indiano pela corda, um pouco sem jeito, mas ainda assim supreso com o que estava guardado. volto a dizer que o instante aqui de cima é democrático e coloca a todos no mesmo lugar inusitado. eu havia tentado de tudo, mas trapézio em vôo é outra história, mais fatal e explosiva. a vitória se canta mais na subida do que na desastrada queda de joelhos e cara no chão. no espaço entre o céu e o inferno, o alto e o baixo, o vôo e a queda não há como não pensar no tempo em que os juízes eram julgados. eu sei que me sabotei nessa história, que a força do silêncio foi magnética, imantada, repelindo a voz e o corpo como a dois pólos idênticos. e sem querer acabei escrevendo de novo como quem se afunda no neutro, no criptograma da paixão, não sei fingir a verdade, só aprendi quando criança a passar de raspão, cair na metáfora e no de dentro. então excuse moi, please, não sei mais como se diz alguma coisa sem ser com bliss. mas espera, olha para cima que lá vai um vôo de dragão, cuspidor de fogo, cheio de fúria e medo, planando curto pelo céu de novembro. descobri que era quase uma necessidade colocar a curva na barra e esbarrar no perigo desconhecido. eu fui, eu estive no lugar dos fortes e dos que vieram antes. mas não queira também me julgar por isso, sabe bem o porquê. esqueça, reparta, segure a minha mão com pegada bem firme e não deixe escapar nunca isso que há entre nós, meio mágico, meio espetáculo, todo cabaré circense por baixo e acima. não se incomode com os calos que tenho nas mãos, pois estas marcas na pele são a história do progresso de um homem. e mais: mostram o quanto estou envolvido com aquilo que desejo. eu me preparo, volante, para ser o mais decidido portô desta terra sincera. eu me preparo: lá vem o trapézio, o segundo tiro, o salto. depois é que esqueci de desejar, com pontas de pé e carpados, para que não esquecesse jamais que a morte pode ser o princípio do amor.

6 comentários:

Dan Oberdan Piantino disse...

Cara, você tem o fôlego de um trapezista. O texto flui sem precisar dar voltas para ganhar mais força. O impulso da partida é crescente. Imagens e mais imagens como quem se balança de cabeça para baixo mas é capaz de reconhecer e dar peso a cada figura. Até, Dan

aluah disse...

para que não me esquecesse jamais que a morte pode ser o princípio do amor."



muito bom!

aluah disse...

os amores platônicos dificilmente superam o esperado-imaginado-idealizado






:(

Anônimo disse...

poxa achei muito bom. o testo muito impulso e disposição.parabêns!!

Anônimo disse...

o texto ganha uito impulso* rsrs engoli rsrs

Carol Rodrigues disse...

Estava no google procurando onde tem aulas de trapézio de vôo e caí aqui!
Adorei o texto!

Parabéns

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