2.2.09

safe trip home


"the hills step off into whiteness.
people or stars
regard me sadly, i disappoint them".
sylvia plath



honey,

é amanhã ou nunca. black monday, black bird. um pouco de beatles. é amanhã e estou voltando para casa. há dias deixei a bagagem amontoada na porta, o bilhete rascunhado, a cama pronta e limpa a sua espera. ana não precisa se preocupar. eu não demoro. não fui eu quem me atrasei. não fui eu quem não peguei o trem. não fui eu quem não fechou a janela. insisto: não precisa se preocupar. tirei a couraça de bronze, deitei os escudos no chão, os óculos escuros. eu estou eu. sem precisar fingir o que não sou só para agradar. mas, não precisa. nem caio, precisa. lamento ter esquecido a bandeja de morangos em cima da mesa. esses morangos de hoje que nem sabor tem. só uma cor bonita que logo se desfaz no mofo. esqueci os morangos mofados em cima da mesa. não, caio, não precisa trazê-los. a viagem é segura e não irei comê-los. ainda daqui onde estou posso enviar cartas para além dos muros. é tarde, eu sei, não pretendo ligar, embora fosse sua voz tudo o que queria agora. tudo o que eu queria nessa hora, era você. mas comprei a passagem certa. é o que você aprova. é o que você pediu. com as pontas dos dedos já levantei toda a radiação da pele. também já sacudi a poeira dos cabelos, reacendi os milhões de filamentos, quebrei a redoma de vidro. o azedume will vanish, pensei. então, sylvia se foi. one day. it was a monday. today. assim que fechei a última das malas, joguei dentro o embrulho e as cartas fechadas. num pacote bonito, a imagem de são sebastião, embrulhada em fita azul royal. vai dentro da mala como lembrança bonita, souvenir lindo, mas triste. triste souvenir. pois antes do celofane e da última hora, o santo fez eu não mais existir, de tanto desapontamento. ele me pediu para não mais. e nada mais pedi a ele. lacradas, as cartas eram a etiqueta do embrulho. fechei o discurso a quantas voltas de chave nem sei, não devo mais comunicar. nem abrir as malas. é um pedido, é um nó a mais na fita de nosso senhor do bonfim. é um pedido para desatar um outro laço apertado que vai por dentro, me deixando perdido e sem endereço. por isso é amanhã ou nunca. estarei voltando pra casa. não quero que seja mais desse jeito: eu, do seu lado, comunicando tudo sem dizer nada. precisando fugir para não dizer mais nada. dizendo nada para não mais. se não pode me dar o amor, me dê, então, a sua paz. esqueça da fama e dos cadernos na vitrine. não precisa, não se preocupe. eu sei que não vai, é só mania de dizer e continuar dizendo. não sei ficar quieto, estou aprendendo. mas olha, escuta bem, estou levando você comigo. se um dia quiser que eu volte, eu volto. só não perdôo a mim mesmo por te perder. nem nunca me perdoe por perder-te. e é agora. back to home, safe trip. a cama, o telhado, a cozinha estão limpos. e prontos a sua espera. não precisa nem bater para entrar. é de casa.

Um comentário:

Dan Oberdan Piantino disse...

e aquele personagem-imagem sobreviveu ao cataclismo. E vive, para narrar um "quase adeus". Ele sabe que, agora, tem a vida nas mãos, mesmo que seja a própria vida que o obrigue a "ir embora".
cartas são uma forma de presença e quando escritas com sussurros e armas ao chão, transformam-se em declarações de amor além da distância. De personagem ele se transforma em palavra que toca (humano além do humano), imagem: "com as pontas dos dedos já levantei toda a radiação da pele. também já sacudi a poeira dos cabelos, reacendi os milhões de filamentos, quebrei a redoma de vidro". (os anjos, os sentimentos, os deuses e os prazeres são imagens, por isso mágicos e arrebatadores).

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