18.11.10

hipócrates


honey:

registro nesta carta que isto é uma lamentação. não prossiga, pois não pode me entender. como nunca quiseste até o momento. estou diante do muro. sou um judeu agora. e choro. perderam-se no vento minhas palavras, meus murmúrios, meus sentidos. e o que sinto por ti, neste exato momento, além do mal-estar de permanecer com o que não existe mais? queria que tivéssemos existido, baby, mas as tuas escolhas viárias já nos separaram há muito tempo. desde que nos conhecemos, suponho. talvez antes mesmo de nos conhecermos, o destino suposto que seria nosso não ouviu estas carícias. e não poderia ter ouvido. e não o fez. exceto por aquela encruzilhada, do dia que nos conhecemos, nada mais de ex-machina. e tu insistes em fazer retornos com teu egoísmo, alegando saudade e vontade de me ver. pergunto: para quê? basta a humilhação que me dá, a tortura de me ver viver sem ti. tu só te importarias com o que tu sentes, se acaso sentisses alguma coisa por mim. para que levar adiante esse acordo mútuo de trocar rápidos lampejos sem nos amarmos? quando estamos juntos é sempre em separado - minhas memórias não cabem em ti, minhas confissões não cabem em ti. apenas meu corpo é que cabe em tuas mãos, para tuas autópsias da carne. e só para isto: para a educação do teu tatear é que sirvo. ossos, músculos, juntas, pelos. não há nada ali. muito menos aqui dentro. queria que tivesses me tocado feito um oboé, antes que classificasse meus órgãos com muita ciência. é provável que seja teu ceticismo, tua ausência de deus, tua falência no amor os responsáveis pela muralha da tua face: impenetrável, inexpressível. e de tanto me acostumar com este teu rosto pálido, se um dia chorares, pensarei ser apenas um pouco de cor. eu ainda choro porque tenho amor. mas amo muito mais a mim mesmo do que a ti - razão pela qual recuso a te pertencer nestes termos inadequados, neste contrato. fiz em pedaços teus bilhetes, teus desenhos, teu nome. és nome de quem, és nome de ninguém. e ninguém eu amo. e alguém eu amaria se tivesse nome de amor. sendo inominável, não faz parte de nada, nem de ti. mais me assusto com a invalidez do teus anos que com o vazio dos meus dias. é pequeno, pequeno o teu mundo, e com tamanho zelo que pouco a pouco tornou-se uma pessoa pequena também. e desapareceste dos meus olhos, também do meu coração. mas não podes me entender: as coisas te ocupam. ocupam mais lugar que as pessoas, as coisas. e nada há centímetro cúbico de tua pele em que possas, um dia, me guardar. pressinto a chegada imediata da cantiga: o que tu me destes era vidro e se quebrou [...]

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