2.3.11

o golem


para bianca b.

dear:

não sei para quem escrever. então: estou te inventando agora. enfio fundo a mão no balde, tiro um monte de argila sem forma, fico moldando entre os dedos um rosto, duas mãos, dois pés. debaixo da tua língua, coloco dobrada em papel as palavras mágicas que escrevi, uns velhos encantamentos, algumas misérias e um frio de mistério. emet! eis meu golem-remetente, cheio de tolice, estupidez, deformidade. fui eu quem o fez, não foi? quisera eu não ser responsável por nada, nem ninguém. em temporadas de caça, eu mataria a raposa; em tempos de revolução, fuzilaria o pequeno príncipe. saint-exupéry, se estivesse vivo ainda, eu mesmo afundaria teu corpo no mediterrâneo. e como ninguém terá me cativado, serei responsável por nada. e que faço eu com o que está feito? que faço desse monstro de barro que caminha desajeitado no escuro, vigiando-me? acho que posso chamá-lo de desejo. o desejo-monstro caminha, vigiando-me. pra onde, judaico frankenstein? para o reino da estupidez, é certo. por quê? ele se parece tanto com as pessoas que não inventei e surgiram aqui. queria fazê-las desaparecer dos meus olhos, das memórias insistentes. queria apagar a vogal, met!, aniquilar o que restou, fazer voltar ao pó o que pó sempre fôra. ah, caixa postal de ninguém, como escrever é só lenitivo e ponto final.

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