29.4.12

navio cargueiro

honey:

tu me afundaste nesta ilha como um navio cargueiro faz do fundo do mar um porto. preferiria ser barco a ser corpo. lá embaixo, as anfôras ainda dormem silenciosas entre uma tripulação morta e fantasma. aqui em cima, eu deslizo em morte pelo convés, atravessando gritos pela garganta porque nossos passos são mortos e passados. e foi você quem trouxe a catástrofe. ou foram as sirenas, aquelas cantoras de mentiras? tenho tanta vontade de devorar a parte peixe delas, de violentar a parte humana com os dentes. mas é quem segue o canto que se engana. eu tenho meus sonhos: o atlântico, o pacífico, a américa, a índia, a espanha. quantas âncoras já não arranharam o fundo de areia e alga, sem estarem presas a nada? muitas e, pensava eu, também distantes liberdades. enganei-me ao pensar que poderia prender-se ao meu coração de sonhos. enganei-me ao pensar que era eu quem deveria seguir-te. na verdade, meu bem, ninguém segue ninguém - o amor é uma comunhão de rotas. teus mapas, como bem tenho sabido há muitos anos, não riscaram os mesmos caminhos. fique, então, com teu barco ébrio, teu porto de ninguém. a tolice estava comigo, eu quem não quis admitir a capitania equivocada e lançava, lançava remos e mastros e velas para viajar em uma lagoa de água salobra e inavegável. é inegável que os erros estavam nas orelhas do coração. ah, bem digo a ti: amor, a morte, apenas ela, nos faria iguais e nos colocaria no mesmo mar de expectativas. tu te afundaste nesta ilha, navio cargueiro.

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