20.12.12

carcaças de cordeiros


my dear,

os leões já devoraram quase todos os cordeiros. não há mais lugar para a inocência e a brancura. é quase um holocausto, quase uma imolação compulsória. este é o tempo dos felinos famintos, das feras facínoras e dos assassinos. os cordeiros que restam, se ainda restam, sentem medo porque andam por aí lobos em pele de carneiro. às vezes, mesmo estes mascarados são devorados pelos leões. são raros os casos, mas não impossíveis: o leão pode ser o lobo do falso cordeiro. do lugar de onde escrevo, passar-se por cordeiro ou ser cordeiro é uma condenação. ainda que não se encontrem leões pelo caminho, não há chance - é também a desesperança que os pode destruir. o desejo do amor há tempos deixou de ser uma dádiva. por isso, na tentativa inútil de persistir a quimera, os cordeiros usam peles de lobo enegrecidas ou jubas eriçadas de leão - juram, juram devorar o próximo carneiro e não se importar. pena que estes, mesmo tentado se esconder, se importam. e são pegos. e são mortos. os leões não têm piedade. este é o tempo da selvageria, é bom que se saiba. não há espaço para o amor, só para os dentes na carne, para a arena de feras e feridas de luta. tudo porque o amor perdeu o objeto. ou porque os objetos igualmente perderam o amor, a palavra, o sentido, o sujeito. é tudo tão difícil. um cordeiro pergunta: o que se ama? e a pergunta deveria ser: quem se ama? não há nomes nos discursos, só o sangue nas savanas, os quantos beijos diferentes, as quatro camas de quatro quartos. a geografia deste lugar torna o amor intransitivo e intransitável. os sujeitos não têm objetos e nem podem caminhar pelo corpo e suas calhas. este é o tempo dos cordeiros ao lado dos salgueiros, chorosos, chorosos cordeiros. é o tempo dos canalhas, dos infames leões ferozes, dos atrozes fornicadores. cada cordeiro de cal, coberto de neve, de clara, cinza-pálido, cada um, serve apenas aos rugidos bramantes. cada cordeiro, meu bem, já é uma carcaça. esconda-se, por favor, como já me escondi da minha própria lã, tentando não passar por borrego, nem por inocente cheirando a benjoim. é inocente resistir, mas ainda quero esperar que da vida o amor seja uma oferta vindoura, prometida e verdadeira. ainda gostaria de sentir a devoção inteira derramada sobre minhas patas e pelos, meus cabelos, meu rosto, meu corpo inteiro. ainda desejo ver deus, sentir-me em seus braços e, então, dar adeus ao oco destes troncos onde me escondo e escrevo.

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