6.11.14

pesadelo parisiense


baby,
para a. c.

eu tive um pesadelo parisiense. estamos você, eu e outra pessoa caminhando pelo cemitério de passy. desconheço quem era. deambulávamos pelo enterro dos finados sem qualquer interesse, parando para ver uma ou outra lápide, sem amor. sem rancor pela paisagem, de passagem. mas naquela narrativa de sonho, um cinema de mim, era onde menos sabia sobre o que sou. 

de repente, de um modo incoerente, eu faço uma escolha errada. e não opto por você. vejo nos seus olhos assomar, com lentidão, a descrença na situação. é doloroso e eu não entendo. éramos amor. o que fazia lá aquela terceira pessoa? o que houve contigo que desapareceu sob um sol negro? eu jurei que não abandonaria o lençol sem que descêssemos juntos, todas as manhãs.

ah, baby, eu não queria te dizer, mas:
recordar é morrer.

este sonho não é inteiramente verdade. a outra pessoa é um continente, encarna o oceano que nos separa, rememora a separação descontente. a outra é pessoa é sua escolha, não minha, nem nunca seria. como a morte não é uma escolha. como o fim físico é sempre algo desinteressado de nós, caminhando por entre os vivos, lendo os nossos nomes na certidão de nascimento, casamento, registro civil.

acordei desta meia verdade em desespero, arranhando o assoalho da pelve, a parede da pele, o ele do meu joelho dobrado. e acordado, só pude me recordar de outra coisa, de longo tempo: 
não sei quando meu corpo assumiu-se cleptomaníaco.

quase sem perceber, desconfio, mas logo após o entardecer da sua revolta, sem volta, sem retorno algum da europa daquele meu sonho. e sem ser doença, crença em inclinação patológica. antes: a lógica do pathos de um coração inclinado ao amor. reclinado sobre os objetos furtivos que furto e faço coleção de souvenires: um sorriso engraçado, uns olhos bonitos de canto de olho, um perfume no meio da tarde, a visão de lindos pés descalços, o esgarçado de uma camisa e os lábios cansados de um beijo meu.

eu roubo a mim mesmo para que eu tenha o perdão do ladrão. e inteiramente limpo dos crimes de amor, eu possa ter você de volta, às minhas voltas em gestos demorados & suaves & eternos de auroras.

.: marcio markendorf

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