9.12.14

as razões por que fomos destruídos

honey,

havia sido o verão do amor. mal consigo lembrar quantas vezes juramos que nada acabaria. e nem foram juras verbais, eram os corpos bem juntos que confessavam o bem querer para todo diante e de trás pra frente. não havia sido assim antes nunca. e sabíamos que não haveria outra história depois, não como a nossa, nem outra igual, porque o amor, aquele amor, era de acontecer uma única vez. o resto é tentativa de repetição, prêmio de consolação, a versão amena dos dias selvagens. e com o fim do verão, começou o fim de nós dois.

fomos sendo destruídos aos poucos.

a princípio, foi a geografia que se interpôs entre nós. você não era daquela cidade. eu não era daquele lugar. até havíamos pensado, sem querer, que o encontro era a providência de deus, nem cogitamos a hipótese do modesto acaso. a paisagem nos integrou, o mar nos saldou, a água nos salgou, a areia nos fez amar sob o sol. e depois? depois aconteceram os morros, os desfiladeiros, os quilômetros, os termômetros, as cercas de arame farpado, as cidades grandes e pequenas, as divisões geográficas nos colocando, cada um, do outro lado do país.

a tecnologia nos salvou por um tempo da saudade.

mas logo, por conta da precariedade da proximidade, justificávamos nossa impotência (e nossos ciúmes) com agressões contra a montagem espácio-temporal dos telefones e outros suportes - as ligações não atendidas, as mensagens com atraso de resposta, os e-mails curtos e secos contra as mensagens longas e derramadas (e vice-versa), a falta de tempo para desejar o melhor para o dia. começávamos a nos desentender, a nos afastar sem querer, sem perceber que o pior ainda estava por vir.

e veio.

quando os planos de viagem não mais nos incluíam como rota foi uma baque. não entendíamos as exigências da família, dos amigos, dos colegas de trabalho. antes conseguíamos tempo para nos ver de tempos em tempos, de três em três meses havia o que chamávamos de 'a grande fuga para os braços um do outro', mas, por outras exigências, fomos nos tornando escassos. nos víamos uma vez a cada seis meses, em fins de semana cada vez mais rápidos e sem grande excitação, frequentemente pontuados por longos e demorados cigarros no silêncio.

e talvez tudo isso tenha sido pela imobilidade. não apenas a verbal, também a social.

éramos concursados em nossas cidades. tínhamos medo de nos lançar a uma mudança radical de ares. um dos dois teria que abrir mão da estabilidade se quiséssemos ficar juntos. você, com sua vida classe média alta, seu emprego de cartório, sua proposta de casório perto de casa; eu, com minha vidinha classe média estagnada, minha carteira de funcionalismo público, minha vida de cão e gato. nunca falamos profundamente sobre o assunto porque entendíamos aquilo como um interdito. nosso orgulho nos impediria de ter que suportar a ideia de ser sustentado pelo outro se tudo desse errado. se desse errado. gastar as economias em uma aposta de amor de verão. era assim que pensávamos, de um jeito até cretino, nos menosprezando, só para autorizar nossa covardia de perder para ganhar.

e continuamos perdendo, desta vez para além da economia, esbarrando de um jeito torto na política.

não sei por qual razão, só sei que foi de um assombro: eu defendi um governo de esquerda, sem muito afinco, até porque não sou tão politizado quanto gostaria; você preferiu um estado de direita, só para conservar os privilégios ancestrais de sua classe, sua família, sua biografia. xinguei, xingamos um ao outro dos piores nomes por algo que nem era preciso.

e continuaram vindo: as oposições de gosto, o desgosto por um livro, a crítica a um filme, a firme opção de jantar vegetariano, as inconclusões, as incoerências, as fragilidades, as carências, as ansiedades.

e o que havia sido precioso, tornava-se, cada vez mais, metal puro.

injúria.
inglória.
latão.

fomos sendo destruídos aos poucos.
e só contei um pouco
de como o amor nos destruiu
e nos deixou assim: sem outros encantamentos,
substituindo uma paixão pela outra
como quem esconde um buraco vazio de coração
com um cartaz A3 de papel marrom.

.: marcio markendorf

Um comentário:

honey disse...

hum. que lindeza.

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