6.8.09

in the morning

coração,

pela manhã estaremos mortos. é tudo que sei e o que posso. a luz da aurora banhará nossos cadáveres sem pedir permissão. são tempos difíceis para os sonhadores. nas ruínas da metrópole vazia lutamos para extrair algum sonho. alguma história que nos encante e nos mantenha vivos. mas como toda a história é só passado ou invenção, optamos pelo sacrifício. talvez um samurai, uma flor de cerejeira caindo, respeite ainda mais nosso harakiri da paixão. por desonra e para nos limpar do mundo sujo, preferimos o corte da espada, que é também um corte da realidade. o mundo dos sonhos não consegue existir. nem em império, nem em colônia. a civilização nos esmaga. e nos escombros de uma arquitetura que desaba, preferimos o fim a incerteza de nossas crenças no futuro. de que adianta prosseguir e sofrer com o espanto que nossos desejos provocam no outro? é quase a solidão de deus que vivemos. o próprio deus preferiu nos deixar ao acaso e sumiu. ele morreu na faixa de gaza. e agora nós somos nosso destino, nós somos. e ninguém mais pode nos proteger do rumo das coisas. nem mesmo da verdade que sinto: pela manhã, a incerteza contaminará nós dois.

4 comentários:

Anônimo disse...

ótimo texto

Preta disse...

e quando aquela massa cinzenta,
triste, apática e sonolenta
rangir nos ultimos sulcos
e pulsões de mim,
vou me lembrar de ti,
da sede de ti
do calor, odor e do pingente de ouro que te deu de aniversário.

Dan Oberdan Piantino disse...

"Nos desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos; em todo o País não há outra relíquia das Disciplinas Cartográficas". É nesse trecho do conto de Borges que minha monografia encontrou seu fundamento ideológico. É sobre as ruínas da civilização, é sobre aquilo que em mim não é aceitável, correto, ou adequado à essa civilização medíocre, que posso erguer minha voz, fazer das ruínas, relíquias. Por que partir do ideal de que a paixão se encaixaria na metrópole? De que é preciso acreditar em futuro para sentir amor? Por que não fazer do presente o fim da solidão e da cômoda posição de incerteza? Essas são as questões que alguém que segura a espada contra o peito não se atém (ainda mais não sendo samurai) e que agora fundamentam minha leitura de suas incorrespondências.
É na contradição do texto (ou na minha leitura subversiva) que faço desse texto dele um bom sinal (contra a primeira impressão de muitos):
1) "In the morning a incerteza nos contaminará", que maior sinal de vida do que a contaminação? ninguém morre e essa verdade é sentida, seja febre, seja calafrio.
2)Preferindo ou não, a incerteza será o atestado de que não se pode escolher um fim, "somos nosso destino", o fazeremos então: o remetente confrontado com o escritor, os destinatários com suas posições de leitores.
Que ninguém tente proteger alguém do rumo das coisas. Como escritor de cartas tb, não me interessa mais proteger minhas histórias (passado ou invenções) com meu corpo de texto, o presente não cabe em qualquer história, é preciso fazê-lo, com ou sem caneta.

Sérgio disse...

É interessante como esses textos falam de modos diferentes aos leitores. Percebo três eixos que se entrelaçam: o homem que toma a história em suas mãos fazendo seu destino; a crise de fundo religioso que remete à impermanência; e a decadência da civilização Ocidental,como produto final. Esse cruzamento sugere talvez não como saída o ambiente do sonho, mas se o texto inicia com a certeza da morte, finaliza com uma incerteza...meio ao modo de Calderón de la Barca, refugiando-se na promessa, no desejo, no sonho. A vida é sonho, Marcio?

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