27.9.05

do diário de viagem. entre.lugar.



queria desistir, me sentia menor. corpo sem sopro, ausência sem graça. fechava os olhos e ia virando uma bola de fogo, caindo, queimando. o que mais me incomodava era aquele vazio cheio de silêncio. quem sabe o que mais me incomodava era o silêncio do meu próprio silêncio: um corredor tão longo e tão vazio, olhar de espelho, tão idiota. o que uma viagem não faz? me fez sentir uma solidão tão estrangeira quanto distante. me perguntava porque eu não fazia o retorno, descambava na praia, virava pescador. dizia a mim mesmo que de longe, o corpo da água e seus refluxos era o melhor a ser aceito. mais sereno que esse marejar da mente, água dura contra rocha, espaldar de cadeira contra colunas. a viagem nos altera por dentro, destrói pedaços de tempo, refaz tanto espaços, mas também vai nos matando por dentro em doses homeopáticas. e agora esse gosto de flores, hálito de álcool: perdi as amarras, me perturbo-flutuoso: tenho licença: quem sabe desistir e não voltar nunca mais.

notas telegráficas


my dear,

o que eu escrevo é verdade, mas não é verdade de verdade. às vezes é verdade mentirosa, às vezes mentira verdadeira. olha bem pras minhas cartas, me enxerga por trás da letra, percebe meu corpo no contorno do olho, passado à lápis. assim você me descobre, embora tenha que ir fundo no que não digo. fico bem quietinho, te mostro os rascunhos, te mando telegramas com palavras comidas, tão caras e não ditas. eu não te engano, você que se engana com o que falo. desencontros: me encontra depois do ponto. final.
beijos.

19.9.05

notas. ríspidas. frenético.


o cansaço de uma lástima, agora mais de dentro do que nunca, tenho certa dificuldade pra lidar com sentimentos, esses meio cremosos-macios, como que feitos de embalagens de luxo, dessas caixas com laço vermelho, desatadas & vazias, que nos fazem chorar à meia-noite só de olhar pra sua vaziez, não do que estava dentro, mas da presença dessa memória do antes, daquilo que tanto estava aqui causando esse sentimento, que não pego nem levo, mas sinto me roçando dessa maneira que já disse, meio macia, meio cremosa, talvez áspera, às vezes, como deve ser o roçar de um rosto contra uma barba por fazer, de um homem por fazer, que só faz amor por fazer porque tudo está por ser feito, inclusive o próprio amor, que só se sabe de um jeito ríspido e áspero, mais agudo que a barba crescendo, mais duro que os ferros do portão que eu bato com força chegando da rua furioso, molhado porque a chuva me pegou desprevenido e me pegou também pensando em você e foi me molhando e dissolvendo tudo que eu pensava e fiquei com ódio de são pedro que quis me dissolver o pensamento e me deixou branco branco igual aquela nuvem que era branca agora cinza e que agora mija em cima de mim toda a água que guardou lá em cima, como se fosse terapia pra tanta mágoa guardada que uma hora a nuvem vomita e vomita e vomita e todo mundo analisa como tempestade, trovão, sinal, condensação, sei lá o que mais dizem dos níveis pluviométricos da região, mas que sempre dão um ar de dilúvio e transtorno como se já não fosse transtorno essa minha vida aqui sentando na sala ouvindo o que estou descobrindo aos poucos e que me faz gostar ainda mais de ficar sentado porque parece que vai me empurrando e me espremendo porque é um tanto ácido, acid jazz, nina simone cantando, ai que coisa, a chuva que não pára. me dá vontades de ser sereia, sair descambando no encantamento tanta nau e tanto marinheiro, destroçando, destroçando sem coisa cremosa nem macia, só meu cappuccino no balcão que me faz bigodes de chantilly se eu me arrisco com a boca na xícara.

14.9.05

diários. dia de morte.



hoje acordei com um desejo de morte, o corpo muito mais frio que o dia lá fora. e a pior tempestade é essa que vem do inconsciente, num trovejar de símbolos, avisos, sonhos. "esta é a luz da mente, fria e planetária./ as árvores da mente são negras. a luz, azul", escreveu sylvia plath num poema. recordo as cores: preto, azul, luto, tristeza. acordo preso nas raízes de uma árvore retorcida: não consigo andar, sinto sede e fome. e vou sabendo da água suja que não me alimenta, mas enegrece ainda mais a árvore da mente. meus sonhos voltam: um galopar de éguas loucas, pisoteando tudo. não consigo respirar, meu nariz está entupido de gás butano, neurônio por neurônio morrendo. a morte vem vindo a galope num enorme cavalo amarelo. seus dedos esqueléticos tocam meu corpo, estou sendo possuído. encanto, magia: negra, negro. as árvores estão todas morrendo. o dia hoje vai ser sobrevivência.

11.9.05

joinville, florianópolis: 11 dias, 5 dias perto.


amor.
eu quero os mesmos sonhos, os desejos todos de volta. não essas coisas arranhadas que me devolveu agora. querto tudo que for inteiro, verdadeiro, como o foi da primeira e última vez, quando debruçou teu coração no meu mesmo com todo geográfico cruel que nos separa. meu amor, apaga: me refaz por trás dos olhos, devolve o eu te amo nas cores da retina. não me olha em preto e branco. amor, não chora porque choro contigo. me ama por dentro de novo. foi ciúmes sim, soco na faca, engatilhada pistola na garganta. mas ouve: o que não é o ciúmes senão a vontade louca de ser apenas euvocê no mundo. o que não serão cinco dias que podem dizer da vida toda? te amo.

10.9.05

rascunhos. guerra.




com meu exército vermelho-comunista conquistei a ásia, a oceania, áfrica e europa. avançando, destruindo, subjugando. mas sobretudo: te procurando. remexi cada pedaço de país estrangeiro, levantei cada poeira, querendo saber onde estaria quem me faz tanta falta, quem com um beijo ou um sussurro no ouvido, destruiria todo meu império. e mesmo espalhando esse vermelho-conquista por quase todo o mundo, não sei como conquistar teu lugar também vermelho, esse de dentro, esperançoso, pulsante. quem sabe me chame de bárbaro depois de me ver dominando tanta gente assim e ainda adotar certos costumes & vícios de campanha. mas desconhecido amor meu, a maior barbárie do mundo é saber que estou invadindo tudo por você, fazendo tanta coisa errada, desaconselhável, sem honra, porque te procuro do modo mais desesperado. queria eu livrar-me destes louros, desta toga, destas sandálias, desse imaginário de general, queria me despir inteiro e me deitar contigo em qualquer lugar calmo do mundo, sem soldados, nem guerras, nem sangue derramado. ficar contigo em qualquer lugar em que o império seja apenas meu e seu, do amor e do sangue apaixonado.

5.9.05

notas biográficas. vazamentos.



"o jato de sangue é poesia,/ não há nada que o detenha", escreveu sylvia plath num poema. fico pensando se o sangue também é rastro, prosa poética, assombro, medo. foi isso que senti quando do meu nariz vazou quase uma xícara de sangue. não, eu não estou doente. eu acho que estou morrendo. mas talvez eu esteja mal ou só um pouco fraco, banido de um mundo distante de saúde e felicidade. cena: minha cabeça latejando, o sangue no lavabo, em gotas grossas, respingos, fios. sozinho em casa, estou morrendo num dia frio e chuvoso, bem poético e metonímico, a chuva escorrendo na janela, o sangue escorrendo na cerâmica. "sinto que toda a minha vida, toda a minha dor e todo o meu trabalho foram para isto. todo o sangue derramado, as palavras escritas, as pessoas amadas foram um exercício de preparação para o amor", escreveu sylvia numa carta. e eu acho que estou derramando sangue por amor, fazendo isto parte de meu exercício do coração, de aprendizado, de filosofia. olho para o sangue tomado de pavor e de medo da morte. entro em pânico em pensar que o amor pode estar à beira da morte ou próximo de nunca acontecer. o medo da morte reflete meu medo de nunca viver com você. o mundo ficou apertado, rosto quase chorando, coração pulsando. estou pensando em você, uma flor, duas flores, uma delas murchando, orquídea sangrando. estou sentindo, acho que posso acreditar, segura minha mão, me leva aonde quiser. não me diz o caminho: me leva.

3.9.05

correspondências. amor. séculos.





my dear,
eu finjo ter amantes em todas as capitais do mundo. recebo correspondências, cartões-postais de paisagens exóticas, presentes de todos os tipos. e por um momento me sinto bem abrindo tantos pacotes e envelopes imaginários. mas me dou conta que eu nem sei direito ficar na sala de casa, quietinho, querendo saber pra que lado da parede fica cairo, moscou, buenos aires, tóquio. mal sei de que lado o sol se põe. se eu pensar um pouco nisso, parece que uma onda de medo me enche, como se a gravidade fosse parar e me fizesse cair. o real da vida, sem imaginação: eu não sei estar no mundo. ou melhor: não saberia estar em qualquer lugar se não fosse pelo seu amor. esse que não existe em mapa algum, esse que não tem correspondente geográfico nem de correios. oh my dear, estou vivendo de experiências culturais, quando gostaria de viver experiências afetivas, pedaços de coração que me mortalizam. não me fazem viver para sempre, mas me provocam um sentimento intenso: viver tudo até o mais fundo antes que a vida acabe. e como não sei quanto tempo ainda tenho, nem quanto tempo você tem, eu arrisco profundidades, fico aqui, sozinho, mas louco de ciúmes, pensando onde estará andando agora, o que estará comendo, com quem conversou ou se babou no travesseiro durante a noite. do mais apurado ao mais prosaico: meus pensamentos são apenas teus. e mesmo não fazendo idéia de quando vamos nos encontrar de novo, eu sigo te amando, de modo incondicional. de novo sim, acho que você estranhou o que escrevi agora. mas eu digo isso porque tenho certeza de que já estivemos juntos muito antes do século XX, antes do ciberespaço, das webcams, da globalização. muito antes do brasil ou de qualquer lugar. esse nosso amor vem de longa data. quanto tempo temos? nem sei dizer. apenas posso dizer do quanto de amor temos um pelo outro e que se repete há tempos tempos e tempos. sinto sua falta, dear, mais do que nunca. te amo. retorna. te espero no lugar de sempre.

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